Notícias veiculadas pelo Correio Braziliense anunciam que empresários são forçados a ceder à extorsão para obter alvarás. Desde 29 de janeiro, quando a Lei Anticorrupção entrou em vigor, temas como corrupção e extorsão passam a ter consequências para o empresário. A norma dispõe sobre a responsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica em decorrência de atos lesivos contra a administração pública.
» JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES
Notícias veiculadas pelo Correio Braziliense anunciam que empresários são forçados a ceder à extorsão para obter alvarás. Desde 29 de janeiro, quando a Lei Anticorrupção entrou em vigor, temas como corrupção e extorsão passam a ter consequências para o empresário. A norma dispõe sobre a responsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica em decorrência de atos lesivos contra a administração pública.
Logo na ocasião de sua edição, a Lei 12.846/2013 incitava a atenção dos mais críticos, que vislumbravam a possibilidade de ela ser apenas mais uma lei com eficácia reduzida entre muitas já editadas. Segundo dados do Instituto de Planejamento Tributário, de 1988 a 2012, o Brasil editou mais de 4,6 milhões de normas. O país tem publicado leis que tratam do mesmo tema com enfoques diferentes, sem promover a revogação das existentes, a compilação ou o avanço na sistematização. Regramento conexo e sistematizado é essencial para dar segurança às relações jurídicas e proporcionar a correta definição da responsabilização e aplicação das penalidades.
Para a plena eficácia à nova legislação — instituidora das responsabilidades da empresa —, é preciso estabelecer uma matriz de responsabilidades, na qual poderia ser inserida a responsabilização pela apuração, pelo julgamento, prazos e meios de defesa, meios de prova, direitos do investigador e apurador e, por fim, alcance dos deveres da pessoa jurídica, na forma já sedimentada pela jurisprudência. É preciso entender que pode haver a prática da corrupção por parte da empresa, e de extorsão por parte dos administradores públicos.
Os empresários devem se preocupar também com a responsabilidade objetiva. Suas organizações serão responsáveis pelos atos ilícitos cometidos, independentemente de dolo ou culpa. A intranquilidade está no fato de o empreendedor poder ser vítima de atitudes de terceiros que eventualmente agem em seu nome com excesso ou abuso de direito. A objetividade na responsabilização apenas da pessoa jurídica pode ser nociva à livre iniciativa, fazendo incidir penalidades sobre quem nada tem a ver com o ilícito praticado.
Na verdade, a lei, sem autorização constitucional, abriu uma exceção ao responsabilizar objetivamente a pessoa jurídica de direito privado. A responsabilização objetiva somente deve ser permitida em casos extremos, como garantia do particular frente ao Estado. Outro aspecto preocupante da lei é o veto ao art. 6º. Esse dispositivo dispunha sobre a multa e determinava que o valor dela não poderia exceder o valor total do bem ou serviço contratado ou previsto.
As razões do veto expõem que os efeitos danosos do ilícito podem ser muito superiores ao montante e afirmam que “a limitação da penalidade pode torná-la insuficiente para punir efetivamente os infratores e desestimular futuras infrações, colocando em risco a efetividade da lei”. Ocorre que a própria lei, em outros dispositivos, explicita que a sanção não tem de relação com a reparação do dano. A aplicação de multa não exclui a obrigação de reparar o dano. Por essa razão e outras, o veto do dispositivo é temerário.
Outra medida para conferir eficácia à norma é reunir esforços para a qualificação dos servidores públicos que receberam poderes mais amplos da lei. Isso reduziria consideravelmente o erro na aplicação das penalidades. Nesse ponto, a lei também foi omissa. É precisamente o desacato à norma por parte da administração pública que fez o governo, abrangendo a União, estados, municípios e Distrito Federal, primeiro réu do mundo em número de processos.
Enfim, sendo resposta às manifestações populares de 2013 ou não, a verdade é que a legislação pretende promover mudança de paradigma. Ao prever a aplicação de penalidades para a empresa, também dispõe sobre a adoção das medidas de integridade. O empresário deverá promover procedimentos internos, como auditorias, incentivo à denúncia de irregularidades e emprego de código de ética. A legislação também prevê o Acordo de Leniência, que, pela redução da multa e exclusão de penalidades, incentiva a empresa colaborar com o poder público nas investigações.
Fonte:http://impresso.correioweb.com.br/app/noticia/cadernos/opiniao/2014/02/19/interna_opiniao,117422/a-lei-anticorrupcao-completa-192-dias-sem-regulamentacao.shtml