Ações questionam papel de fiscalização do banco de fomento

A Justiça deve decidir se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é responsável pelos danos que possam ser causados por projetos que financia.

A Justiça deve decidir se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é responsável pelos danos que possam ser causados por projetos que financia. A tese é defendida pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública envolvendo a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA) e aparece em outros processos que envolvem projetos da instituição financeira – uma ação popular, que corre na Justiça Federal do Mato Grosso, e um processo administrativo, no Tribunal de Contas da União (TCU).

Em setembro, o MPF do Pará propôs uma nova ação civil pública pela ausência de previsão de impactos e compensações aos índios Xikrin em função da usina de Belo Monte e pede que o banco seja corresponsável por possíveis impactos negativos. A ação foi distribuída à 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará. No entendimento do MPF-PA, os estudos socioambientais não levaram em consideração o impacto da usina no modo de vida dos índios Xikrin, moradores do rio Bacajá. Esse rio deságua no Xingu exatamente no trecho que vai perder 80% da vazão, a Volta Grande do Xingu, o que afetará a vida da população ribeirinha. A ação ainda não foi julgada.

Para o procurador da República Ubiratan Cazetta, o BNDES deve ser responsabilizado por possíveis impactos socioambientais relacionados aos empreendimentos que recebem seus recursos e por isso acionou judicialmente o banco. Em novembro do ano passado, o BNDES aprovou financiamento de R$ 22,5 bilhões para a usina, que deve ficar pronta em 2019.

A ação – a 19ª do Ministério Público Federal do Pará envolvendo a usina de Belo Monte – também inclui o consórcio Norte Energia e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), já acionados em outras ações. Essa foi, contudo, a primeira em que o banco foi corresponsabilizado. O consórcio e o Ibama, procurados, não se manifestaram.

O BNDES, em resposta enviada por e-mail por sua assessoria de imprensa, informa que os financiamentos concedidos pelo banco de fomento requerem que os projetos financiados tenham as devidas licenças ambientais, concedidas pelos órgãos competentes. “A fiscalização do cumprimento das medidas mitigatórias relacionadas nos estudos de impacto ambiental apresentadas pelos investidores é de responsabilidade dos órgãos ambientais. O BNDES exige o cumprimento daquelas exigências estabelecidas pelos órgãos ambientais, aos quais cabe o papel institucional de licenciar e atestar a regularidade ambiental de empreendimentos”, explicou a assessoria do banco de fomento.

O BNDES acrescentou, ainda, que justamente pela complexidade do projeto, no caso específico de Belo Monte, optou por contratar uma empresa de consultoria socioambiental independente como instrumento de apoio às atividades de acompanhamento da execução dessas ações.

Para o sócio-gestor do Pinheiro Neto Advogados, Alexandre Bertoldi, é o tomador do empréstimo, e não o BNDES, quem deve ser responsabilizado por quaisquer irregularidades no empreendimento – mesmo que tenha recebido recursos do banco. “O trabalho que o banco deve ter é o que é feito antes da concessão do empréstimo, verificar todas as diligências, se o tomador tem condições pagar o empréstimo, e não de fiscalizar o projeto”, afirmou. “Acho muito difícil o banco ter esse papel, posterior à concessão do crédito”, disse, considerando que o banco não teria corpo técnico para tal trabalho.

Em outro processo que também coloca o BNDES como corresponsável – nesse caso na investigação, por parte do TCU, sobre possíveis irregularidades na construção de arenas para a Copa de 2014 – o ministro do TCU Valmir Campelo também chamou atenção para o déficit no corpo técnico do BNDES para acompanhamento de projetos que a instituição apoia.

Nesse processo específico, o TCU aceitou uma representação do Grupo de Trabalho Copa do Mundo 2014, do MPF, relativa à apuração de irregularidades no uso do benefício do Regime Especial de Tributação para Construção, Ampliação, Reforma ou Modernização de Estádios de Futebol (Recopa). A investigação pelo TCU obriga BNDES, Receita Federal e Ministério do Esporte a aferirem valores dos projetos contratados e aditivos contratuais dos estádios do Maracanã e Arena Pernambuco, no prazo de 120 dias.

Para o advogado Bruno Ferla, da Veirano Advogados, especialista nos campos societário e de fusões e equisições, a responsabilidade do BNDES por um possível dano originado de um projeto financiado pela instituição depende do tipo de irregularidade. No caso de Belo Monte, o especialista considera que a responsabilidade deve ser apenas do tomador do empréstimo, por ser ele quem decide o passo a passo do empreendimento. Mas o mesmo raciocínio não se aplicaria a possíveis erros de superfaturamento em custos de projetos apoiados pelo BNDES.

Uma ação popular, iniciada pelo empresário Antônio Sebastião Gaeta, em curso desde 2010 na 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, envolve justamente um suposto superfaturamento de caminhões e máquinas pesadas adquiridas pelo governo do Mato Grosso. A compra, de R$ 241 milhões, foi feita com a linha Finame, voltada para máquinas e equipamentos, com repasse indireto, via Banco do Brasil. Desse total, R$ 44 milhões estariam acima dos preços praticados na época.

O BNDES foi incluído no processo, mas houve divergências entre a 5ª turma do Tribunal Regional Federal, onde o processo corria, sobre a legitimidade de o banco figurar como réu. Com isso, a questão foi levada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A ministra Eliana Calmon, do STJ, entendeu que o BNDES poderia ser classificado como réu na questão e mandou o processo de volta para a Justiça Federal do Estado do Mato Grosso, onde ainda tramita.

Ao Valor, a juíza disse que, como são recursos públicos, há uma série de exigências previstas em lei e outras no contrato em relação a aprovação dos projetos, “os quais passam a ser examinados e fiscalizados durante o curso da obra, porque o financiador é corresponsável pela execução da obra financiada. Faltando com o dever de vigilância fiscalizatória, [o BNDES] assume o risco pelas consequências”.

Procurado, o BNDES informou que, em sua defesa na causa principal, dentre outros argumentos, sustenta que é parte ilegítima, argumento que teria sido, segundo a instituição, acatado pelo juiz da causa principal na primeira instância, no seguinte trecho: “Não se poderia transferir ao BNDES ônus financeiro decorrente de atos de improbidade consumados por agente do Estado de Mato Grosso”.

O Banco do Brasil, por sua vez, informa que “participou da operação de crédito na condição de agente financeiro do BNDES e cumpriu todos os requisitos legais e contratuais para a concessão do crédito. O Banco do Brasil não possui atribuição para participar ou verificar o processo licitatório para a compra dos bens financiados e entende ser indevida sua citação no referido processo judicial”.

Fonte: Valor Econômico

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