Depois de 12 anos de discussão sobre a interpretação do art. 229-C da Lei de Propriedade Industrial,¹ foi enfim editada, em 2013, norma da ANVISA definindo sua competência na anuência de pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos.²
Melanie Costa Peixoto
Depois de 12 anos de discussão sobre a interpretação do art. 229-C da Lei de Propriedade Industrial,¹ foi enfim editada, em 2013, norma da ANVISA definindo sua competência na anuência de pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos.²
O critério definido foi “à luz da saúde pública”,³ estabelecendo duas situações de análise:
a) apresentação de risco;
b) interesse para as políticas de medicamentos ou de assistência farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. 4
Para atender o disposto nessa última hipótese foi publicado, ontem, dia 05 de maio de 2014, ato regulamentar do Ministério da Saúde elencando quais produtos ou processos farmacêuticos são do interesse dessas políticas.5
Com efeito, ao longo desses anos de conflito de interpretação do papel da ANVISA na anuência em pedidos de patentes, sempre foi defendida a preocupação com a saúde pública sob o enfoque do risco. Quanto à atribuição em políticas públicas, nem tanto.
Ocorre que, fazendo uma breve retrospectiva da história da Lei de Propriedade Intelectual no Brasil e seu contexto em relação a produtos e processos farmacêuticos, percebe-se que a inclusão do art. 229-C e a ingerência da ANVISA nos pedidos de patentes não foram despropositadas. Ou seja, a ANVISA não agiria duplamente na competência de autorizar ou não o registro de um produto – ou de um processo – como pensavam alguns, na intenção de retirar essa competência da referida autarquia.
O campo de atuação era mais abrangente, haja vista as condições de aprovação da lei patentária em 1996, considerando o acordo TRIPS – Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights firmado junto à Organização Mundial do Comércio – OMC,6 e, apesar de autorizado, nenhuma medida de salvaguarda foi adotada no mercado nacional.7
As consequências foram nefastas para a indústria e o comércio farmacêutico. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior foram fechadas 1.096 unidades produtivas e cancelados 355 projetos. A importação cresceu assustadoramente no setor, haja vista que o déficit de um bilhão de dólares passou naquela década para 10 bilhões de dólares, e, além disso, ainda trouxe prejuízos à inovação tecnológica e propiciou aumento exorbitante de preços.8
Não há dúvidas que razões existem para a anuência da ANVISA em pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos, e, no tocante ao conteúdo, têm relevância e respaldo constitucional e legal. Dúvidas persistem quanto às formalidades, ou à espécie de norma que definiria ser legítima referida atuação.
¹ BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 06 maio 2014. “Art. 229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.” (Incluído pela Lei nº 10.196, de 2001)
² BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC nº 45, de 23 de junho de 2008, com a redação da Resolução-RDC nº 21, de 10 de abril de 2013. Altera a Resolução-RDC nº 45, de 23 de junho de 2008, que dispõe sobre procedimento administrativo relativo à prévia anuência da Anvisa para a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br. Acesso em: 06 maio 2014.
³ Ibidem. Art. 2º.
4 Ibidem. Art. 4º.
5 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 736, de 02 de maio de 2014. Define, para fins de prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), conforme o art. 229-C da Lei nº 9.279, de 1996. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 maio 2014. nº 83, Seção 1. p-38.
6 O Acordo TRIPS prevê normas mínimas para a proteção de patentes, marcas comerciais, direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual. Disponível em: <www.wto.org>. Acesso em: 06 maio 2014.
7 DIAZ, José Setti (coordenador). Antidumping e Salvaguardas in O Brasil e os Grandes Temas do Comércio Internacional.
8 BRASIL. Câmara dos Deputados. Revisão da Lei de Patentes – Inovação em Prol da Competitividade Nacional. Centro de Estudos e Debates. 09 out 2013. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/ Acesso em: 06 maio 2014.