Se eu tivesse matado, sairia antes

Ex-policial, ex-procurador, ex-juiz e ex-preso, João Carlos da Rocha Mattos, 62, completa hoje 43 dias em regime aberto. Processado na Operação Anaconda sob acusação de venda de sentenças, cumpriu pena de cinco anos no regime fechado e dois no semiaberto. Pai de cinco filhos, está no quarto casamento. Trabalha em escritório de advocacia e quer um novo registro na OAB.

MINHA HISTÓRIA JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS

‘Se eu tivesse matado, sairia antes’

Cumpri o que foi determinado pela Justiça e lutei para diminuir a pena Não existe praticamente ninguém preso por aquilo de que fui acusado Estive preso com um juiz que teria matado a mulher; ele ficou menos tempo do que eu


RESUMO

Ex-policial, ex-procurador, ex-juiz e ex-preso, João Carlos da Rocha Mattos, 62, completa hoje 43 dias em regime aberto. Processado na Operação Anaconda sob acusação de venda de sentenças, cumpriu pena de cinco anos no regime fechado e dois no semiaberto. Pai de cinco filhos, está no quarto casamento. Trabalha em escritório de advocacia e quer um novo registro na OAB.

(…)Depoimento a DANIEL RONCAGLIA DE SÃO PAULO

A prisão me prejudicou, mas não me matou. Nela, aprendi a conviver com as limitações e tive uma experiência que ninguém tira.

É difícil esquecer, não passei por lavagem cerebral e meus juízos estão intactos.
Mas cumpri o que foi determinado pela Justiça e lutei para diminuir a pena.
Agora a gente tem que ir para frente, não adianta ficar com raiva. Não vou dizer que você fica contente na prisão, amigo de todo mundo.

A situação do processo me fez criar inimigos, mas foram de momento. Obviamente não frequento festas com as pessoas da magistratura. Não seria bem-vindo e não me sentiria bem.
Nesta semana mesmo estive no tribunal e vi dois juízes que me julgaram -um de uma maneira mais dura e outro menos. Eu cumprimentei e me cumprimentaram. Não preciso agredir ninguém, nem mesmo verbalmente.

Não encontrei problema no presídio, nunca fui agredido. Tenho um gênio difícil, mas tive um bom comportamento carcerário.

Nesse mês em que fui para o regime aberto, fiquei organizando meus papéis. Preciso de tempo, porque, quando você está em determinados lugares como a prisão, pode receber uma quantidade limitada de coisas.

A minha vida é praticamente isso: examinar, organizar, limpar o arquivo.
Minha diversão é assistir ao futebol pela televisão. Saio pouco, até por falta de dinheiro. Não sei se ficam me vigiando, mas à noite tenho que ficar em casa por causa da pena.

Você aprende a ficar menos dependente dessas coisas materiais. Acostumei a andar de trem e metrô e aprendi a usar menos celular, até porque fiquei cinco anos sem.
A minha situação financeira é precária, ganho muito pouco no escritório. Tenho que trabalhar, você não pode viver da caridade pública.

Nenhum dos meus bens foi tomado definitivamente, tenho algumas coisas bloqueadas e sequestradas.

O que eu não tenho feito são as atividades esportivas. Desacostumei a correr, já que na prisão não tem espaço. Estou fora de forma, apesar de não estar gordo.

Estive mais de cinco anos fora de tudo. Na prisão, você não consegue ler jornal diariamente. Tem televisão, mas é um aparelho para vários.

Passei por diversas prisões. Fiquei em cela individual e dividi com duas, três e até dez pessoas.
Tinha ainda um atestado médico para ter uma alimentação mais natural. A comida da cadeia é péssima, gordurosa e salgada.

Fiquei com problemas de saúde. Por mais que fosse esportista, não fumasse e não bebesse, sou uma pessoa que tem 62 anos.

Antes da prisão, tinha depressão, tomava medicamentos como Prozac. Melhorei e diminuí os remédios.

Já até pensei em entrar na vida política. Muita gente me sugere. Mas é complicado, até porque tem esse negócio da Lei da Ficha Limpa, apesar de ainda existir dúvida sobre ela.
Sou conhecido, não que seja algo de louvor. Sou abordado por até cinco pessoas por dia.
De cada 10, umas 8 falam que fui o bode expiatório de tudo o que aconteceu neste país. A maioria das pessoas é agradável comigo.

Encontrei também ex-réus na rua. “Você foi juiz do meu caso, foi muito justo comigo”, dizem.
O tempo de prisão foi complicado para a família, o mais difícil foi a separação. Houve traumas com os meus filhos.

Até porque as notícias sempre são distorcidas. Os fatos são retratados de maneira muito mais grave do que são. O julgamento da mídia é praticamente irreversível. O que aconteceu é irreparável, tenho plena consciência disso.

Meu mal foi ter sido juiz daquele caso [Celso Daniel]. Aquilo me atrapalhou muito. Foi um processo político.

Foram 300 escândalos e só uma pessoa teve um tratamento tão avassalador.
Não existe praticamente ninguém preso por aquilo de que fui acusado. Não cometi um crime de violência ou hediondo.

Quem afetou a economia pública deve ter um tratamento como o sequestro de bens. Quem comete violência tem que ficar segregado, porque é um perigo.

Estive preso com um juiz que teria matado a mulher e recebe o salário. Ele ficou menos tempo na prisão do que eu. Se eu tivesse matado alguém, sairia antes.

Em 2001, já tinha requisitos para me aposentar. Mesmo afastado, deveria receber, porque contribuí por mais de 30 anos.

Recebi o salário de juiz até 2008. Foi por conta de um processo contra o Fausto De Sanctis que deixei de ganhar. É a única condenação que tenho transitada em julgado dos 16 processos que tive.
Agora tenho seis ações que ainda tramitam. Daqui a uns dois anos não vai ter acabado, até pela própria mecânica na Justiça.

Como delegado e procurador eu só tive elogio. Será que eu mudei tanto assim quando virei juiz?

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1505201120.htm Acesso em: 17 jul. 2011

 

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