A estruturação de sociedades de propósito específico (SPEs) com contratos bilionários e suspeitas de irregularidades não é uma exclusividade da Petrobras. [...]
A estruturação de sociedades de propósito específico (SPEs) com contratos bilionários e suspeitas de irregularidades não é uma exclusividade da Petrobras. A Caixa Econômica Federal constituiu uma SPE, virou sócia da empresa criada e contratou sem licitação o empreendimento criado para a prestação de serviços de tecnologia da informação da ordem de R$ 1,2 bilhão, conforme um processo sigiloso em tramitação no Tribunal de Contas da União (TCU). O contrato está suspenso há dois anos em razão de uma medida cautelar no âmbito do processo, que enxergou irregularidades no negócio.
Na prática, a Caixa estruturou um empreendimento privado que tem como sócia majoritária a IBM Brasil, detentora da tecnologia de processamento de crédito imobiliário, e depois contratou a empresa criada. Pareceres técnicos do TCU apontaram “obscuridade” dos critérios que levaram à escolha da IBM como “real e final prestadora dos serviços que a Caixa pretende contratar, em aparente ofensa ao princípio da impessoalidade”. A SPE montada não é uma controlada ou subsidiária do banco e não deveria ter sido contratada sem licitação, conforme as conclusões técnicas vigentes até agora no processo.
Ministros do tribunal vão usar esse contrato da Caixa e a construção da rede de gasodutos Gasene, por meio de uma empresa paralela da Petrobras, para colocar em votação a inconstitucionalidade do modelo de SPEs. O argumento central é de que as SPEs permitem dispensas ilegais de licitação, que não condizem com as regras estabelecidas para estatais e empresas públicas. Votos com essa proposição devem ser apresentados nas próximas sessões do TCU.
O GLOBO revelou que o Gasene foi construído por uma “empresa de papel”, presidida por um laranja. As obras foram superfaturadas em mais de 1.800% em determinados trechos. O real controle do negócio coube à Petrobras, que hoje paga os financiamentos contratados junto ao BNDES. Para sair do papel, foram necessários repasses de R$ 4,5 bilhões.
Uma SPE é uma empresa privada criada a partir de uma estruturação financeira que objetiva a captação de recursos no mercado. A Caixa negou ao GLOBO que a empresa constituída cujo contrato bilionário é questionado pelo TCU seja uma SPE. “A empresa não foi constituída como SPE, mas como uma sociedade anônima. A Caixa não possui SPEs”, cita a resposta enviada ao jornal. Não é o que detalham os pareceres das áreas técnicas do TCU sobre o negócio bilionário.
A Caixa Participações (CaixaPar), a Fundação dos Economiários Federais (Funcef) por meio de um fundo de investimento e a IBM Brasil Indústria Máquinas e Serviços se uniram para a constituir a MGHSPE Empreendimentos e Participações S.A., hoje denominada Branes. “Foi estabelecida com capital social inicial de R$ 500, na forma jurídica de uma sociedade de propósito específico (SPE)”, cita o relatório técnico que embasou a medida cautelar da suspensão do contrato em dezembro de 2012.
“A Caixa terceirizará parte do processo de concessão de crédito imobiliário, mercado o qual a instituição tem ampla vantagem em relação a seus concorrentes, com mais de 80% de ‘market share’, em um negócio de cerca de R$ 1,2 bilhão ao longo de cinco anos”, complementa o relatório. Um parecer técnico finalizado no ano seguinte aponta para o risco de “descontrole de contratações diretas” de SPEs, por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Isso poderia ocorrer em áreas complementares às do setor financeiro, como transporte de valores e automação bancária.
O acordo de acionistas da empresa constituída, assinado em junho de 2012, mostra que a Caixapar tem 2% do capital, o fundo de investimento administrado pela Caixa tem outros 47% e a IBM Brasil detém 51% das ações. Ainda segundo o acordo, a CaixaPar se comprometeu a investir R$ 1,8 milhão; o fundo de investimento, R$ 42,3 milhões; e a IBM, R$ 45,9 milhões. Tanto a Caixa quanto a IBM controlam a SPE criada.
A MGHSPE foi contratada diretamente pela Caixa, sem licitação. Ela prestaria serviços específicos para o banco, “auxiliando na otimização do processamento de aplicações de créditos imobiliários”, conforme os pareceres técnicos do TCU. A SPE deveria assumir parte das atividades de concessão de crédito já desempenhadas internamente, a um custo inicial de R$ 267 por transação feita. Além da IBM, outras duas empresas chegaram a enviar propostas à Caixa.
Caixa defende legalidade do contrato
A medida cautelar que suspendeu o contrato foi expedida pelo ministro Valmir Campelo, que era relator do processo e que já deixou o TCU. Os autos foram remetidos ao ministro Bruno Dantas, recém-chegado ao tribunal. A decisão da suspensão continua válida. Num dos últimos relatórios técnicos sobre o contrato, de abril de 2013, a Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) do tribunal recomendou a anulação do contrato.
A Caixa defende “absolutamente” a legalidade da contratação. “O TCU não considerou ilegal o contrato. Apensas suspendeu a execução até decidir o assunto. A Caixa desconhece qualquer apontamento de irregularidade a respeito de contratos firmados com a empresa mencionada, afirmou a assessoria de imprensa da instituição. O entendimento da legalidade da contratação tem respaldo de vários juristas de renome”, conforme a Caixa, como os ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Sepúlveda Pertence e Carlos Ayres Britto, citados na resposta do banco à reportagem.
Fonte: SASSINE, Vinicius. TCU impede Caixa Econômica de usar empresa paralela. O Globo. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2015.