Enquanto segue a disputa interna no governo entre os que querem ajustar as contas via cortes de gastos e os que preferem criação de impostos, a equipe econômica estuda formas de arrecadar mais recursos para os cofres públicos sem precisar para isso do aval do Congresso Nacional. Uma das ideias é a “venda” de parte da Dívida Ativa da União que pode render R$ 40 bilhões. Ao mesmo tempo, o relator do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), prepara um conjunto de medidas para reduzir as despesas, o que deve ser apresentado na quarta-feira.
Barros ainda não concluiu os estudos, mas estão na mira até programas sociais como a previsão de gasto adicional de R$ 1 bilhão no Bolsa Família em 2016. Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso proposta orçamentária de 2016 contendo inédito déficit primário de R$ 30,5 bilhões, agora promete um adendo com ideias para cobrir a diferença. Essa disputa sobre como ajustar as contas colocou em dúvida a permanência no cargo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e causou forte instabilidade no mercado financeiro.
“Tudo será avaliado, mas com o governo eu não estou contando muito, porque se quisesse cortar [despesas] já teria feito”, diz Barros, um dos vice-líderes do governo.
A possibilidade de um imposto transitório, para ajudar no ajuste fiscal, foi mencionado neste sábado por Levy, ao fim da reunião do G-20, na Turquia. “Pode ser imposto. E depois se retiraria. Estamos no meio de uma discussão sobre isso”, afirmou.
Levy defende o corte de gastos, mas não angariou aliados dentro do governo, onde prevalece a visão de aumento de impostos e retomada do crescimento como fatores que antecedem o ajuste fiscal.
Atualmente, o Planalto está avaliando um a um os mais de 2 mil programas existentes em várias áreas. “A Fazenda está forçando para ter uma reavaliação dos programas para poder ter um corte maior das despesas e evitar imposto maior”, frisou uma fonte da equipe econômica.
Dentro do esforço de arrecadação e da construção do que Levy chama de “uma ponte de ajuste fiscal” estão medidas não tributárias. A Receita Federal intensificou a fiscalização sobre grandes devedores, aqueles que têm débitos superiores a R$ 10 milhões, e pode arrecadar até R$ 20,6 bilhões com a medida.
Também avançam os estudos para securitizar parte da Dívida Ativa da União. A medida poderia resultar em, pelo menos, R$ 40 bilhões para o caixa do governo, considerando apenas a venda da dívida parcelada. A União adotaria um modelo semelhante ao utilizado por alguns Estados e municípios que, no entanto, vem sendo questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Nesse modelo, o governo vende ao mercado o direito de recebimento que tem da dívida, antecipando os recursos. Não se sabe, ainda, qual seria a taxa de desconto sobre a dívida e que tipo de papel entraria na oferta. Técnicos falam que a carteira poderia ser composta pela dívida já pactuada e parcelada. A Dívida Ativa soma mais de R$ 1,3 trilhão. “Temos R$ 100 bilhões que é crédito líquido e certo já confessado pelo contribuinte”, destaca um técnico.
Apesar de não haver apoio do Congresso, ainda há técnicos da equipe econômica que defendem o retorno da CPMF por dois anos. A avaliação é que o custo da CPMF, que arrecadaria R$ 68 bilhões, seria menor do que o trazido pela perda do grau de investimento.
No Congresso, apesar da compreensão de lideranças de que é preciso achar uma fonte para novos recursos, entende-se que o governo não tem “gordura política” para negociar com o legislativo. A possibilidade de mudanças no salário mínimo, aventada em reunião da Junta Orçamentária, é vista por aliados, que falaram ao Valor sob reserva, como “indefensável” e mesmo “uma pá de cal” na credibilidade do governo.
Isso porque o Congresso aprovou, há dois meses, Medida Provisória que mantém as atuais regras de reajuste do salário mínimo para o período de 2016 a 2019. Como a Câmara havia aprovado estender os reajustes aos benefícios pagos pela Previdência Social (aposentadorias e pensões), o Senado teve de fazer um verdadeiro contorcionismo regimental para mudar o texto sem provocar o retorno à Câmara, permitindo a Dilma vetar o trecho.
É desse tipo de “gordura”, avaliam senadores, que o governo não dispõe mais. Um dos principais articuladores do Congresso, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) lembra que a possibilidade de uma Cide sobre serviços, que fora levantada pelo ministro Levy em discussões sobre a reforma do ICMS e continua no radar, não é viável politicamente. Por ser imposto novo, a medida teria de passar pelo Congresso. “O governo está, no momento, ancorado no fundo do poço pelo excessivo gasto e incompetência política. Essas manobras radicais demandam uma gordura política que este governo não tem”, disse. Jucá vê com bons olhos uma mudança estrutural na Previdência, mas reitera que é preciso respaldo político para encampar a proposta: “Para uma mudança dessas, precisa mergulhar fundo e o governo não tem oxigênio”.
Para um interlocutor do governo, o que torna a mudança na Previdência possível é o entendimento do vice-presidente, Michel Temer, de que a fixação de idade mínima para a aposentadoria encontra respaldo na Constituição.
Ontem, em Paris, questionado pela “Folha de S.Paulo” sobre como vê sua própria situação no cargo após a última conversa com Dilma, Levy brincou: “Eu estou no exterior, não sei se teve alguma evolução política. O resto a gente tem trabalhado para garantir essa ponte, uma ponte fiscalmente sustentável para a gente passar esse período e entrar com tudo pronto neste período de maior produtividade”.
Fonte: Valor Econômico