A participação de empresas com sócios em comum ou do mesmo grupo empresarial em licitações é assunto bastante controverso, eis que de fato inexiste dispositivo na Lei nº 8.666/1993 que proíba tal expediente. Logo, a princípio, licitantes com o mesmo sócio ou do mesmo grupo empresarial podem participar normalmente dos processos licitatórios concomitantemente.
Diante do Princípio da Legalidade, no exercício da função administrativa, o gestor deve respeitar os dispositivos legais. Especificamente em relação à questão formulada, convém visitar as possibilidades legais de impedimento do direito de participar em licitação dispostas no art. 9º da Lei nº 8.666/1993.
Uma simples leitura desse dispositivo é suficiente para perceber a inexistência de qualquer imposição restritiva e desrespeita os termos da legislação o edital que pretender alijar licitantes em potencial por esse motivo. O que a legislação pátria veda é a fraude, o conluio com propósitos doloso de fraudar a licitação, condutas estas que não se presumem. A fraude à licitação exige a evidenciação do nexo causal entre a conduta das licitantes e a frustração dos princípios e dos objetivos da licitação. Esse tem sido o posicionamento do Tribunal de Contas da União, a exemplo dos Acórdãos nºs 297/2009 e nºs 1.219/2016, ambos do Plenário.
Por outro lado, o Pregoeiro deve redobrar sua atenção quando perceber a identidade de um ou mais membros do quadro societário, empresa de mesmo grupo e até relação de parentesco entre sócios das empresas licitantes. Na condução do processo, o Pregoeiro deve acompanhar com rigidez todos os atos praticados pelas concorrentes, buscando coibir condutas que possam ensejar violações.
A ausência de competitividade evidenciada pela inércia na disputa de lances ou a presença de lances excessivamente baixos, seguido da desistência do certame favorecendo empresa do mesmo grupo ou com sócios em comum, em posição subsequente no ranking da disputa são indícios – mas não os únicos – de violação à competitividade.
É esclarecedora a explicação presente no relatório que deu origem ao Acórdão nº 297/2009 – TCU – Plenário, nestes termos:
Para alguns, a apresentação de propostas por duas empresas do mesmo grupo econômico poderia ensejar a figura delituosa descrita no art. 90 da Lei nº 8.666/93 […].
Duas são as condutas puníveis: frustrar e fraudar, quando incidentes sobre o indispensável caráter competitivo da licitação.
Frustrar significa enganar, baldar, tornar inútil, no caso, a competitividade da licitação. É conduta comissiva. Há que haver uma ação.
O caráter competitivo é a circunstância que torna a escolha do negócio de interesse da Administração Pública dependente de licitação. É a essência mesmo da licitação, já que somente cabe esse procedimento onde mais de um interessado pode atender ao desejado por quem está obrigado, em tese, a licitar. O que se proíbe, então, é frustrar ou fraudar mediante ajuste, combinação ou por qualquer outro meio essa competição, evitando a disputa entre os interessados e abrindo oportunidade para a contratação direta.
Dito isto, repita-se, a simples participação num mesmo procedimento licitatório, de empresas do mesmo grupo ou com sócios em comum, reais, verdadeiras, atuantes – e não meras estruturas de fachada – não configura violação à legislação. Existe tipificação legal para a fraude ou conluio e, portanto, a sua presença não se presume, mas deve ser comprovada, no mínimo, por meio de um feixe convergente de indícios.
Há de se ressaltar, todavia, que a previsão editalícia, não impugnada, tem efeito vinculante. Ou seja, o descumprimento à regra do edital já pode gerar a punição nele prevista. O ideal é que o Edital estabeleça os métodos de verificação de ocorrência e de punição.
Caso não exista, cabe aos licitantes concorrentes informarem ao pregoeiro as ocorrências no momento oportuno (no caso do pregão, no momento do recurso). Denúncias à ouvidoria do órgão também costumam ser um meio válido.
Considerando, por fim, que cumpre ao Pregoeiro autuar processo com vistas à aplicação da sanção disposta no art. 7º da Lei nº 10.520/2002. É possível ainda representar aos órgãos de controle, visando o cumprimento do dispositivo. Contudo, lembrando que não há dispositivo legal nesse sentido, é possível que a cláusula restritiva do edital seja declarada nula, o que frustraria a tentativa de punição das empresas envolvidas.
* Resposta produzida por Marcelo Souza Rocha, consultor do Instituto Protege, por meio da ferramenta Perguntar Protege.