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É possível impor ao agente público que omitiu a instauração da Tomada de Contas Especial – TCE a solidariedade com aquele que diretamente causou dano ao erário?

Entre as sanções administrativas decorrentes da omissão na instauração da TCE, está sim a imposição de solidariedade. De fato, estabelece o art. 8º da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, em dispositivo repetido em várias legislações estaduais e municipais, que a autoridade responsável omissa no dever de instaurar o processo de TCE sujeitar-se-á ao dever de recompor o erário solidariamente com o causador direto. Veja:

Art. 8° Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União, na forma prevista no inciso VII do art. 5° desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano.

§ 1° Não atendido o disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa decisão.

A solidariedade imposta pela lei como espécie de obrigação – no caso, passiva – pode ser conceituada como aquela que, havendo mais de um devedor, estabelece para o credor o direito de exigir de qualquer dos devedores a totalidade da dívida.

Pode ser alegado que as obrigações solidárias, nos termos da legislação civil, não se constituem em sanção, o que, de acordo com a melhor sistematização do tema, tendo em conta as várias correntes de pensamento sobre o assunto –, destacando as representadas por Keller e Ribbentrop, na doutrina germânica1, não estaria incorreto.

Ocorre que a legislação pátria em vigor, ao dispor sobre a TCE, fez erigir um liame jurídico fictício entre o fato ilícito determinante da TCE e a omissão, também ilícita, no dever de instaurá-la. Aliás, a legislação civil contempla a possibilidade de estabelecer vínculo jurídico entre várias condutas quando, mesmo desconexas, tenham contribuído para o dano, como ocorre com a obrigação decorrente de ato ilícito, que acarreta solidariedade entre os causadores.

Constitui penalidade porque a própria legislação assim a conceitua: “sob pena de responsabilidade solidária […]”. Aliás, no julgamento de todos os tribunais consultados, em vários casos, a imposição da responsabilidade solidária, conquanto decorrente do simples fato omissivo, tem sido ponderada nas circunstâncias do caso concreto. Não parece ser esse, data venia, o comando normativo: ao fato negativo da omissão no dever de instaurar TCE, segue-se a solidariedade na reparação do dano, acolhendo-se, para preservar a harmonia do Direito, as excludentes de força maior e caso fortuito.

Assim, embora seja inevitável a ocorrência de danos ao erário, constitui dever inafastável da função pública zelar pelo erário e, na ocorrência de lesão aos cofres públicos, buscar instrumentalizar a investigação das causas visando à reparação do dano nos termos erigidos pela lei.

Sendo o Direito instrumento da Justiça, é forçoso reconhecer que, embora a autoridade omissa esteja obrigada perante as cortes de contas a reparar o prejuízo, de forma solidária, poderá, em ação civil própria, obter ação regressiva contra o causador direto do dano, inclusive utilizando-se do acórdão condenatório do Tribunal de Contas, que imputa o débito como título executivo.2

A propósito, cabe lembrar que a omissão em foco pode inclusive alcançar o dirigente do controle interno, além da autoridade diretamente responsável pela instauração da TCE, nos termos prescritos na Constituição e em outras normas. Além disso, a omissão somente se caracterizará se, ocorrido o dano, a autoridade não providenciar medidas para apuração e ressarcimento.

Para saber mais, consulte Tomada de Contas Especial: processo e procedimento na Administração Pública e nos Tribunais de Contas, 7ª ed., Editora Fórum, 2017.

1 Que explicavam a obrigação solidária como única obrigação com pluralidade de relações subjetivas.

2 Analogia perfeitamente válida com o disposto no art. 132 c/c o 784, inc. IX, do BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 24 nov. 2016.  e art. 71, § 3º, da Constituição Federal.

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