Diante da situação narrada, entende-se assistir razão ao particular contratado em se recusar a dar início à execução do objeto ajustado, justificando tal negativa no extenso decurso de tempo existente entre a data de assinatura do contrato e a expedição da competente autorização de serviço, e nos consequentes prejuízos decorrentes nesta demora, solicitando, ato contínuo, a rescisão amigável do ajuste, nos termos do art. 79, inc. 11, da Lei de Licitações.
A não emissão da autorização de serviço por parte da Administração contratante, de modo a possibilitar o início da execução do ajuste pelo contratado, caracteriza a sua inadimplência, e não do contratado. Ainda que se considerasse a possibilidade de um “atraso” na adoção desta providência por parte da Administração, em razão de fatos supervenientes e estranhos a esta contratação, este não poderia alcançar um período tão longo quanto o aqui narrado, na medida em que haveria, sem laivo de dúvidas, ônus para o particular, que, desde o início, mobilizou sua estrutura operacional para o cumprimento da obrigação assumida. O parâmetro a ser adotado seria o prazo de, no máximo, 120 dias, previsto no inc. IV do art. 78 da Lei de Licitações. E o fato de o contrato não estipular um prazo para o início da execução da prestação dos serviços, com a consequente emissão da autorização de serviço, não autoriza a adoção do expediente noticiado na pergunta.
Vale salientar, neste sentido, que a situação narrada, se não resolvida amigavelmente entre as partes, poderá dar margem à propositura de uma ação judicial por parte do contratado, visando à rescisão do contrato em questão cumulada com perdas e danos, com arrimo no art. 78, inc. XVI, c/c o art. 79, inc. 111, ambos da Lei Licitatória, haja vista, reitere-se, a inexistência de liberação do objeto da contratação pela Administração.
Neste sentido, ensina Jessé Torres Pereira Junior, in verbis:
O texto original do projeto em que se converteu a Lei nº 8.666/93 previa quarta hipótese de rescisão, por iniciativa do contratado, nos casos enumerados nos incisos XIII a XVI. Veto presidencial suprimiu a possibilidade de haver rescisão na instância administrativa em face desses motivos, não deixando para o contratado alternativa a não ser de socorrer-se da rescisão judicial ou buscar o consenso com a Administração, em rescisão amigável (Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 804).
Marçal Justen Filho, por sua vez, ao tratar especificamente sobre a hipótese descrita no art. 78, inc. XVI, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, leciona:
20) Omissão de providência indispensável a cargo da Administração (inc. XVI) Também caberá a rescisão quando a Administração deixar de cumprir providência indispensável à execução do contrato. O inc. XVI alude à ausência de liberação de área, local ou objeto para a execução da prestação ou de fonte material natural. O dispositivo deve ser interpretado de modo amplo. Devem ser abrangidas outras situações semelhantes. Sempre que a execução do contrato ficar na dependência de providência da Administração, deverá aplicar-se o disposto no inc. XVI. Se a Administração não desencadear as providências que ficaram a seu cargo, o particular estará de mãos atadas e não poderá iniciar ou desenvolver a execução do contrato. A situação não pode se prolongar indefinidamente. A lei estabelece o dever de observar o limite contratual previsto para a prática do ato pela Administração. Isso não significa que a regra apenas seja aplicável quando o contrato expressamente impuser a obrigatoriedade da providência para a Administração. Se o contrato silenciar acerca de prazo para cumprimento da providência, deverá considerar-se o prazo de cento e vinte dias como limite máximo. Integra-se a omissão legal através do recurso ao disposto no inc. XIV. Se a Administração não pode determinar diretamente a suspensão da execução do contrato por mais de cento e vinte dias, idêntico resultado não poderá ser produzido por uma via indireta. Diante da similitude das hipóteses, deve adotar-se idêntica solução no caso da ausência de providências necessárias ao desenrolar do contrato. A omissão da Administração dá azo a situação semelhante à da suspensão da execução do contrato (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 981).
Hely Lopes Meirelles, também abordando a situação noticiada como um exemplo que permite a rescisão do ajuste pelo particular contratado, ensina:
Fato da administração -Considera-se fato da administração toda ação ou omissão do Poder Público, que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda, agrava, ou impede a sua execução. Esse fato se equipara à força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilidade do particular pela inexecução do ajuste, ensejando, ainda, as indenizações correspondentes. Tal ocorre quando a Administração deixa de entregar o local da obra ou do serviço, não providencia as desapropriações necessárias, não expede a tempo as competentes ordens de serviço ou pratica qualquer ato impediente dos trabalhos a cargo da outra parte (Licitação e contrato administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 255).
Entende-se, portanto, e diante de todo o raciocínio acima exposto, por descabida a alegação de inexecução contratual por parte do contratado, o que afasta a possibilidade de rescisão unilateral por parte da Administração(art. 79, inc. I, da LLC) e o sancionamento do particular contratado (art. 87 da LLC). Esclareça-se que a rescisão fundada no art. 78, inc XVI, da Lei 8.666/1993 afasta a ideia de culpa do contratado e a possibilidade de sua eventual punição. De igual forma, se houver uma rescisão amigável também se afasta essa possibilidade, já que esta não tem finalidade punitiva. Por fim, entende-se ser necessária a instauração de um processo administrativo disciplinar com o escopo de apurar a responsabilidade do servidor público que deu causa à situação noticiada.
Fonte: Revista Fórum Administrativo – FA. Belo Horizonte, ano 14, n.157. mar. 2014. Questões Práticas