Art. 118 da Lei de Licitações e Contratos – Aplicação de Lei Estadual a empreendimentos financiados pela União por meio do BNDES

Prof. Jacoby esclarece dúvidas sobre a aplicabilidade de licitações e contratos nos empreendimentos financiados pela União por meio do BNDES.

Dúvidas têm sido suscitadas sobre a possibilidade de estados, municípios e Distrito Federal poderem aplicar regulamentos de licitações e contratos nos empreendimentos financiados pela União por meio do BNDES.

Recentemente, a Procuradoria do Estado do Maranhão enfrentou o tema. Eis a íntegra do parecer:

ESTADO DO MARANHÃO
PROCURADORIA GERAL DO ESTADO

OFÍCIO N° 181/2013-GAB / SEPLAN

ASSUNTO: Manifestação sobre a legalidade da Lei Estadual 9579/2012
PARECER N° 1260/2013 – PGE/MA

Trata-se de consulta feita pelo Excelentíssimo Sr. Secretário de Planejamento e Orçamento através do Ofício nº 181/2013- GAB/SEPLAN, no qual requer a manifestação desta Procuradoria Geral do Estado quanto à legalidade do Código de Licitações e Contratos do Estado do Maranhão (Lei Estadual nº 9579/2012), especialmente em relação à Lei 8666/1993 que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal (sic) e dos Municípios.

Essa manifestação visa atender solicitação do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Social que indicou a possibilidade do Estado do Maranhão utilizar a referida Lei Estadual n° 9579/2012 nas licitações dos projetos a serem financiados no âmbito do Programa Viva Maranhão, desde que a Procuradoria demonstre que a Lei 9579/2012 não contraria a norma geral de licitações e contratos.

Passa-se a opinar.

O cerne da controvérsia contida na consulta se refere ao confronto de legalidade da Lei Estadual n° 9579/2012, que introduziu o Código de Licitações e Contratos do Estado do Maranhão, e a Lei Federal n° 8666/2013 que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal (sic) e dos Municípios.

Na espécie, não se pode olvidar do princípio da presunção da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público (in casu, a Lei Estadual 9579/2012).

No caso, não houve a declaração de inconstitucionalidade da referida norma estadual que regula as licitações e contratos celebrados pelo Estado do Maranhão. Posição contrária encontrar-se-ia em flagrante contrariedade à regra constitucional da separação de poderes.

No intuito de demonstrar a aplicação deste princípio pelo Supremo Tribunal Federal, colacionamos o acórdão proferido no julgamento do Inquérito 1864/PI:

“INQUÉRITO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PARLAMENTAR FEDERAL. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO FEDERAL COMPETENTE, PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO EM RELAÇÃO AOS CO-RÉUS. 1. O art. 9° da Lei n° 10.684/03 goza de presunção de constitucionalidade, não obstante esteja em tramitação nesta Corte ação direta de inconstitucionalidade, sem pedido de liminar. 2. Comprovado nos autos, através de ofício da Procuradoria Federal Especializada, o pagamento integral do débito imputado ao parlamentar federal indiciado, é imperativo o reconhecimento da extinção da pretensão punitiva estatal. 3. Denúncia não recebida em relação ao parlamentar, por estar extinta a punibilidade dos fatos a ele imputados, nos termos do art. 9o, § 2o, da Lei n° 10.684/03. 4. Os autos devem ser remetidos ao juízo federal competente da Seção Judiciária do Piauí, para regular prosseguimento em relação aos co-réus”.

Segundo Luís Roberto Barroso(Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 193),“o princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, notadamente das leis, é uma decorrência do princípio geral da separação dos Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável”.

O que pretende o BNDES é que a Procuradoria Geral do Estado declare ser compatível a lei estadual de licitações em face da Lei Federal 8666/93.

Em matéria de lei tratando sobre licitações vigora a Constituição Federal ( art. 22):

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[…]
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

Portanto, a norma federal sobre licitações apenas poderá abrigar normas gerais, cabendo aos Estados-Membros, no exercício de sua competência legislativa residual (art. 25, da Constituição Federal) suplementar referidas normas gerais.

Assim, saber se a lei estadual maranhense de licitações contraria a norma federal (Lei 8666/93) é identificar se aquela apenas trata de normas suplementares ou se invadiu o campo reservado à União nesta matéria (normas gerais). Portanto, a Procuradoria Geral do Estado deveria realizar verdadeiro juízo de constitucionalidade da lei estadual para identificar se esta é compatível com a lei federal.

Entretanto, no campo da constitucionalidade, uma vez aprovada a lei estadual, à Procuradoria Geral do Estado cabe zelar por sua observância, inclusive defendendo sua constitucionalidade. É o que se observa no art. 92, §4° da Constituição Estadual:

“Art. 92. São partes legítimas para propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face desta Constituição:
[…]
§4°. Na ação de inconstitucionalidade de norma legal ou ato normativo, em tese, a citação será feita ao Procurador-Geral do Estado, ou se, for o caso, ao representante legal do Município, que defenderá o ato ou texto impugnado.”

Portanto, em função do princípio da presunção de constitucionalidade das leis e do múnus de defesa da constitucionalidade da lei atribuído à Procuradoria, a esta, uma vez aprovado o projeto de lei, surge como orientação do próprio texto constitucional defender a sua constitucionalidade, não podendo se contrapor contra este mandamento constitucional.

Em virtude do exposto, entende-se que, diante do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, a Lei Estadual 9579/2012 deve ser observada pela administração pública estadual no que pertine às licitações e contratos celebrados pelo Estado do Maranhão.

É o parecer, s. m. Juízo.

São Luís, 23 de outubro de 2013.

Ricardo Gama Pestana
Procurador Geral Adjunto para Assuntos Judiciais

Aprovo o parecer
Em 23/10/2013

Helena Maria Cavalcanti Haickel
Procuradora Geral do Estado

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