Concessão de serviço público e competência para legislar

O legislador constituinte, durante o processo de produção das normas que regeriam o Estado Brasileiro a partir da promulgação do texto constitucional de 1988, estabeleceu uma série de funções para cada um dos entes federados. Essa divisão de tarefas era fundamental para que todos tivessem claras as atribuições que deveriam exercer em prol do desenvolvimento da sociedade.

por J. U. Jacoby Fernandes

O legislador constituinte, durante o processo de produção das normas que regeriam o Estado Brasileiro a partir da promulgação do texto constitucional de 1988, estabeleceu uma série de funções para cada um dos entes federados. Essa divisão de tarefas era fundamental para que todos tivessem claras as atribuições que deveriam exercer em prol do desenvolvimento da sociedade.

A essa divisão a doutrina constitucional deu o nome de repartição de competências. A partir do art. 21 do texto constitucional, são apresentadas as competências legislativas – quando um determinado ente pode legislar sobre determinado assunto – e as competências materiais – que são de ordem administrativa, de execução. Algumas dessas competências são privativas da União, devendo apenas esse ente legislar sobre um tema. Outras, porém, são concorrentes, cabendo à União editar as normas gerais, e aos estados e ao Distrito Federal editar as normas suplementares.

Paulo Gustavo Gonet Branco, em obra1 que divide a autoria com o ministro do Supremo Tribunal Federal – STF Gilmar Mendes, explica o mecanismo que a competência concorrente desenvolve:

Na falta completa da lei com normas gerais, o Estado pode legislar amplamente, suprindo a inexistência do diploma federal. Se a União vier a editar a norma geral faltante, fica suspensa a eficácia da lei estadual, no que contrariar o alvitre federal. Opera-se, então, u bloqueio de competência, uma vez que o Estado não mais poderá legislar sobre normas gerais, como lhe era dado até ali.

As ideias relativas à competência deverão ser o guia do STF em ação que deverá ser analisada em breve na Corte. No caso concreto, algumas associações de telefonia ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra norma do estado do Rio de Janeiro que institui medidas aplicáveis às prestadoras de serviços de telefonia e internet. As entidades argumentam que a norma viola a competência privativa da União para legislar em matéria de telecomunicações, prevista no art. 22, inc. IV, da Constituição de 1988.

Uma das exigências é que as operadoras informem o número da identidade, se possível, com foto, até uma hora antes de comparecerem à residência do usuário para execução do serviço. Matéria2publicada pela assessoria de comunicação do STF informa que as entidades argumentam que a lei, ao obrigar as operadoras de telefonia – fixa e celular – e de internet a informarem previamente aos consumidores os dados dos funcionários que executarão os serviços em suas residências ou sedes, invadiu a competência exclusiva da União para legislar sobre o tema. Alegam que somente lei federal ou resolução da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel poderia dispor sobre essa questão, sob pena de gerar desigualdade no tratamento de usuários em todo o País.

É interessante a linha de argumentação, pois deslegitima a competência do parlamento estadual, mas aceita submissão ao órgão regulador, que, a propósito, não aceita reclamação direta do usuário. Note que, para reclamar na Anatel, o usuário deve indicar o protocolo de atendimento na companhia telefônica. Somente depois tem direito de reclamar na agência reguladora. Em 2015, foram feitas mais de 4.000.000 de reclamações, por diversos motivos.

Esse detalhe abre uma nova vertente de discussão. O art. 24, inc. V, da Constituição de 1988 estabelece que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre produção e consumo. E, aqui, é preciso lembrar dois pontos: o assinante de telefonia é usuário de serviço público e consumidor; o concessionário é prestador de serviço público.

Com base nessas informações, é possível perceber que se as normas editadas tratarem de relações de consumo estabelecidas entre concessionária e usuário de serviços públicos, em tese, a lei estadual poderá produzir seus efeitos. A função do STF, nesse caso, é estabelecer a natureza material da lei fluminense e a abrangência do preceito constitucional sobre a norma.

1 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

2 Associações questionam lei do RJ que cria obrigações para empresas de telefonia. Portal STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=350237>. Acesso em: 25 jul. 2017.

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