Contratação temporária em período de declaração de emergência e seus efeitos

Por meio da Portaria nº 105, de 21 de fevereiro de 2017, o Ministério do Meio Ambiente declarou estado de emergência ambiental em épocas e regiões específicas1.

Por meio da Portaria nº 105, de 21 de fevereiro de 2017, o Ministério do Meio Ambiente declarou estado de emergência ambiental em épocas e regiões específicas1. Com tal medida, aquele Ministério intenta a contratação temporária de brigadistas definida nos termos do inc. IX do art. 37 da Constituição Federal e do inc. IX do art. 2º da Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993.

Ocorre que, apesar do louvável objetivo de assegurar a proteção ao meio ambiente no País, em especial diante da situação de alto risco ambiental gerado pela alta probabilidade de ocorrência de queimadas e incêndios florestais, a Portaria nº 105/2017 não se mostra como a iniciativa mais acertada.

Primeiramente porque a legislação que trata das medidas necessárias à redução dos riscos de desastre2 estabelece conceitos distintos para “situação de emergência” e “estado de calamidade pública”. Inadvertidamente, no entanto, a Portaria nº 105/2017 cria um sistema híbrido quando classifica como “estado de emergência” a situação de alto risco ambiental decorrente de desastres relacionados com as secas.

Além dessa impropriedade – que pode ser considerada erro material – da Portaria, emerge um fato que poderá atrair polêmicas futuras com o Controle Externo. Refiro-me ao reconhecimento antecipado de uma situação de emergência baseado em mero risco; ou seja, sem sequer ter se materializado um evento adverso sobre dado ecossistema.

Certamente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Ministério do Meio Ambiente possuem estudos e banco com dados históricos capazes de prever a probabilidade da ocorrência de desastres ambientais gerados pelas queimadas e incêndios florestais; essa probabilidade é diretamente proporcional ao nível do risco.

Nos termos do Decreto nº 7.257/2010, contudo, somente poderá haver o reconhecimento da situação de emergência e do estado de calamidade pública após a ocorrência de um desastre. Essa é a mesma inteligência que se extrai do inc. IX do art. 2º da Lei nº 8.745/1993, que permite a contratação temporária para o “combate a emergências ambientais, na hipótese de declaração, pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente, da existência de emergência ambiental na região específica”.

Dito isso, não parece medida adequada a contratação de pessoal temporário por fugir da hipótese que assegura o “excepcional interesse público” de que trata o inc. IX, art. 21, da Constituição Federal.

Por outra via, resta a realidade fática que aponta para um alto risco de ocorrência de queimadas e incêndios florestais em locais e regiões específicas, sem, contudo, possibilitar um planejamento adequado que permita quantificar a força de trabalho necessária e o momento de seu emprego. Para tais casos, o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de utilizar o Sistema de Registro de Preços, consagrado pelo art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e regulado, no âmbito federal, pelo Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013.

Outra solução construída com brilhantismo pelo ministro Aroldo Cedraz, em seu voto condutor do Acórdão nº 1.150/2013 – TCU – Plenário, aponta para a viabilidade jurídica de se utilizar da figura do credenciamento para a contratação de prestação de serviços que decorram de fatos imprevisíveis ou sazonais. Na ocasião, analisando caso específico de uma empresa pública – e cuja lógica jurídica pode ser aplicada ao caso da contratação de brigadistas – o ministro-relator assim elucidou:

  1. […]. Nesse sentido, teríamos três possibilidades de resolver o problema: a) para enfrentar a flexibilidade do mercado a […] decide implantar um quadro de empregados excessivamente grande, de forma a garantir a existência de mão de obra, complementada por razoável quantidade de equipamentos reserva, trabalhando em regime de ociosidade em boa parte do tempo; b) trabalha com efetivo para a demanda prevista normal, não atendendo as exigências decorrentes dos fatos imprevisíveis; c) adota uma postura híbrida, garantindo quadro de empregados para as atividades planejáveis e cotidianas, aliado a uma reserva de pessoas contratáveis no mercado, suprindo agilmente as demandas de última hora. A solução que melhor prestigia os princípios da eficácia e da eficiência é a última, cuja obviedade me dispensa de maiores comentários.
  2. Em sendo assim, não posso concordar com a tese de que o credenciamento ofende o inciso II do art. 37 da Constituição, ou seja, configuraria burla ao concurso público. A burla ao concurso público requer o desejo de burlar, bem assim que empregos não sejam apenas permanentes, mas que seu preenchimento seja precedido do requisito da necessidade. Potencializar exacerbadamente a regra pela regra, admitindo as hipóteses do gigantismo do quadro em regime de ociosidade ou a ineficiência da empresa pelas aporias decorrentes da interpretação “exagerada” do dispositivo constitucional, não realiza a Constituição como um todo. Essa interpretação “exagerada” não está sincronizada com a exploração da atividade econômica pelo Estado, cujos “instrumentos de atuação extravasam os esquemas tradicionais” (Vasco Pereira da Silva. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003, p. 129) […].

Evidentemente, para garantir a aplicação dos princípios republicanos, optando por essa via, convém ao Ministério do Meio Ambiente estabelecer norma interna para fixar os serviços específicos que serão autorizados para o credenciamento, a limitação de prazos e demais requisitos, a exemplo da regionalização, dos efeitos da sazonalidade e dinamicidade dos riscos e da materialização dos eventos, e ainda a insuficiência quantitativa e qualitativa – especialização – dos recursos humanos necessários para a atividade de brigadista.

1 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Portaria nº 105, de 21 de fevereiro de 2017. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF 22 fev. 2017. Seção 01, p. 79.

2 Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, e Decreto nº 7.257, de agosto de 2010.

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