Decreto define regras para elaboração de orçamentos de obra pública

Está se buscando reduzir os aditivos, que vêm sendo demonizados, muitas vezes sem a compreensão adequada da matéria, pela imprensa e, por conseguinte, pela população menos esclarecida.

Da construção de quadras poliesportivas a estádios, da edificação de habitações populares e creches a aeroportos, de serviços de recapeamento de estradas vicinais à pavimentação de rodovias… o orçamento de referência de todas as obras ou serviços de engenharia financiados com recursos da União – sejam eles contratados pelas instâncias municipais, estaduais ou federais – deve ser feito, desde abril deste ano, à luz de um novo decreto – o de nº 7.983. Do contrário, os repasses federais podem ser suspensos.

A resolução não cria um novo regramento, apenas reúne premissas das leis: das Licitações (nº 8.666/1993), de Diretrizes Orçamentárias (LDO 2013) e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (nº 12.462/2011), além dos entendimentos do Tribunal de Contas da União. Ainda assim, ao reiterar determinadas normas em texto único resolutivo, cria polêmicas.

Uma delas estabelece que deve constar, do edital e do contrato, cláusula expressa de concordância do contratado com a adequação do projeto que integrar o edital de licitação, numa clara (mas não necessariamente eficiente) tentativa de inibir práticas nocivas como o “mergulho” e potenciais aditamentos contratuais. Outra define, em 10% do valor do contrato, o custo adicional máximo relativo a aditivos motivados por falhas de projeto. Também reforça o uso preferencial de índices referenciais de preço – como o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) e o Sistema de Custos Rodoviários (Sicro) – para todas as obras, com exceção das industriais.

Nesta entrevista, o advogado com experiência em gestão jurídica de contratos de infraestrutura, especializado em procedimentos de controle e auditoria em obras públicas realizadas pelos Tribunais de Contas, Nayron Souza Russo, sócio do escritório Aroeira Salles Advogados, detalha os pontos mais relevantes do novo decreto. Confira.

Qual sua análise sobre o decreto e como ele impacta a contratação de obras de infraestrutura, em geral?

Os dispositivos do Decreto nº 7.983/2013 estão alinhados com a LDO 2013 (art. 102 da Lei nº 12.708/12) e com os entendimentos e as orientações do Tribunal de Contas da União. Embora não inove, verifica-se que o decreto conseguiu consolidar em um único texto, de forma objetiva e clara, as principais regras e os critérios a serem seguidos por órgãos e entidades da administração pública federal na elaboração de orçamentos de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União.

Obras municipais de pequeno e médio portes, que recebem recursos da União, também deverão seguir os critérios do decreto e comprovar esse atendimento em cláusula expressa?

Sim. Por força do artigo 16 do decreto, os Estados, o Distrito Federal e os municípios que forem realizar a contratação de obras ou serviços de engenharia com recursos transferidos da União também deverão cumprir as normas do Decreto nº 7.983/2013. Mas não deverá haver burocracia, pois a comprovação, que precisará ser encaminhada ao órgão ou à entidade concedente após a homologação da licitação, poderá ser realizada mediante simples declaração do representante legal do órgão ou da entidade responsável pelo certame de que obedeceu às normas do Decreto nº 7.983/2013 na elaboração do orçamento de referência. Caso o decreto não seja cumprido, poderá haver a suspensão dos repasses de recursos pela União e os responsáveis por esse descumprimento sujeitam-se às sanções, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.

O decreto obriga o uso do Sinapi e do Sicro em todas as obras, com exceção das industriais. Mas também prevê a possibilidade de utilização de novos sistemas de referência de custos, desde que justificada tecnicamente e submetida à aprovação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Em sua opinião, o decreto dificulta ou favorece a orçamentação fora dos limites dos índices de preço?

Preliminarmente, ressalto que a elaboração de um orçamento – e o consequente estabelecimento do preço de venda de um empreendimento – é basicamente um exercício de previsão, em que se busca determinar os gastos necessários para a realização de um projeto de acordo com o plano de execução previamente estabelecido. Nesse cenário, vale observar que obras de edificações convencionais, que incorporam tecnologias intermediárias, graças ao conhecimento que se forma em torno delas e à possibilidade de repetição, têm modelagens de custos quase universais.

Mas edificações convencionais não são as únicas obras cuja orçamentação é prioritariamente feita com base nos índices de referência. Nem representam a maioria das obras licitadas.

Pois é. Obras especiais de infraestrutura e também de montagem industrial que envolvem tecnologia avançada, como refinarias, hidrelétricas e aeroportos, por exemplo, devem estar associadas a modelagens de custos particularizadas, representativas de processos executivos especialmente projetados, que incorporam riscos e requerem acuidade especial no âmbito da qualidade e segurança. O orçamento de uma obra não pode ser confundido com uma simples planilha – uma tabela de preços -, bem como uma composição de custos não pode ser vista como uma fria coleção de números que pode ser retirada de um livro ou de um manual. O orçamento adequado tem suporte teórico-conceitual na engenharia de custos e deve ser capaz de refletir a estimativa de todos os custos necessários para execução adequada do empreendimento. Orçar obras apenas com base no Sinapi e Sicro, desconsiderando as particularidades do empreendimento, as condições operacionais e as características técnicas específicas dos serviços que serão executados, é certeza de licitação frustrada ou obra não concluída com a qualidade e durabilidade que foi projetada.

Orçar obras apenas com base no Sinapi e Sicro, desconsiderando as particularidades do empreendimento, as condições operacionais e as características técnicas específicas dos serviços que serão executados, é certeza de licitação frustrada

Mas então, em caso de obras, digamos, “especiais” – ou melhor, que não sejam de edificações convencionais -, como não basear a orçamentação nas composições do Sicro e do Sinapi?

O decreto reitera dispositivos já constantes da LDO que permitem aos órgãos e às entidades da administração pública federal desenvolver novos sistemas de referência de custos, desde que: 1) demonstrem sua necessidade por meio de justificativa técnica; 2) haja aprovação do novo sistema pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; e 3) utilize insumos constantes do Sinapi e Sicro. Em caso de inviabilidade da definição dos custos com base nesses índices de referência, a estimativa de custo global poderá ser apurada por meio da utilização de dados contidos em publicações técnicas especializadas, em sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado. Em suma, o decreto não alterou a disciplina existente, pois apenas repetiu dispositivos com conteúdo similar aos já existentes nas leis orçamentárias e na Lei nº 12.462/2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).

Apesar de o decreto prever o desenvolvimento de novos sistemas de referência de custos, essa elaboração é onerosa e exige um grande esforço e tempo dos órgãos federais. Será que isso é factível?

De fato, a necessidade de aprovação pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão deverá dificultar a utilização de novos sistemas de referência de custos, devido à provável burocracia e insegurança em se aprovar referenciais distintos dos indicados na legislação vigente e adotados como referência pelos órgãos de controle. Apesar disso, a ausência de referenciais específicos não impede que o orçamento seja elaborado de acordo com as particularidades da obra. Isso porque, conforme o artigo 8º do decreto, que repete previsão contida no artigo 102, parágrafo 3º, da LDO 2013, na elaboração dos orçamentos de referência, os órgãos e as entidades da administração pública federal poderão adotar especificidades locais ou de projeto na elaboração das respectivas composições de custo unitário, desde que demonstrada a pertinência dos ajustes para a obra ou para o serviço de engenharia a ser orçado em relatório técnico elaborado por profissional habilitado.

Embora reconheça a legitimidade de se adotar BDIs reduzidos em determinadas situações, tem havido abusos na elaboração dos orçamentos ao se adotar BDIs incompatíveis com o serviço que será prestado. Então, mesmo sem haver a elaboração de um novo sistema, órgãos como a Infraero, e mesmo o Dnit ou a CEF, podem aprovar orçamentos que tenham composições de preços diferentes das existentes no Sinapi e Sicro, desde que haja motivos relevantes para tanto?

Sim. Por exemplo: se a obra requer tráfego de veículos em área em operação aeroportuária, as regras de tráfego terão que ser obedecidas, inclusive a velocidade, que é normalmente limitada a 20 km/h. Isso afeta a produtividade do transporte de materiais ou de equipes de trabalho. Uma obra de terraplenagem é onerada quando são obrigatórias medidas contrárias à dispersão de poeira. Portanto, há mecanismos na legislação vigente que permitem a elaboração de orçamentos adequados e em consonância com o preço de mercado do empreendimento. Não se deve esquecer que um orçamento mal-elaborado compromete o sucesso da licitação e coloca em risco a conclusão tempestiva e adequada das obras.

É justo o artigo 13 do decreto que obriga a contratada a concordar, em cláusula expressa, com o projeto do edital de licitação?

Essa regra também foi prevista pelo Decreto nº 7.581/2011, que regulamentou o RDC (artigo 42, parágrafo 4º, inciso III). A validade dos referidos dispositivos é questionável, pois estabelece significativo ônus ao particular de fiscalizar o projeto, não obstante tal responsabilidade seja do poder público. As licitantes, pela própria exiguidade de tempo, normalmente existente entre a divulgação do projeto e a realização da licitação, e pelo alto custo envolvido para se realizar uma avaliação efetiva da consistência de um projeto de maior complexidade, tornam duvidosa a eficácia dessa norma.

Além de condicionar a concordância da contratada ao projeto, o decreto estabelece que o custo adicional motivado por falhas alegadas ao projeto não poderá ultrapassar 10% do valor do contrato. Ainda que esse percentual compute o limite de 25% da Lei nº 8.666, essa margem de 10% não deverá prevalecer?

Acredito que o poder público apenas irá aprovar aditivos que superem o limite de 10% quando houver modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos. Na prática, está se buscando reduzir os aditivos, que vêm sendo demonizados muitas vezes sem a compreensão adequada da matéria, pela imprensa e, por conseguinte, pela população menos esclarecida, que associam a corrupção em obras públicas à figura dos aditivos contratuais. A necessidade de celebrar aditivos decorre, principalmente, de projetos básicos mal-elaborados. Ou seja, os aditivos são a consequência, e não a raiz do problema. E a deficiência dos projetos básicos não será resolvida com a limitação da celebração de aditivos ou com a imposição de cláusula de concordância do contratado com a adequação de um projeto do qual não participou de sua elaboração. As licitações para execução de obras somente devem ser iniciadas quando se dispuser de projeto básico ou executivo devidamente atualizado e em perfeitas condições de ser executado.

O decreto não explica os critérios para cálculo da taxa de BDI reduzida. No caso de fornecimento de materiais e equipamentos de natureza específica, fornecidos por empresas especializadas e que representem percentual significativo do preço global da obra, como o senhor acha que deva ser calculado o BDI?

Como esclareceu o próprio ministro relator Marcos Bemquerer, no voto condutor do Acórdão nº 2.369/2011 – Plenário, “não é a denominação do item como fornecimento de materiais que deve ser observada apenas, mas as especificações contidas na sua composição de custo unitário (…). Nesse contexto, considero que, nas premissas teóricas acerca da faixa de valores admissível para BDI de itens de fornecimento de materiais e equipamentos, deve ser a abordada a questão dos casos em que há maior complexidade no transporte e no armazenamento de materiais, bem como deve ser enfrentada a necessidade de se analisar detalhadamente a composição de custos unitários para verificação se realmente se trata apenas de simples aquisição de insumo em que a construtora se responsabiliza apenas pela compra, transporte e armazenamento, inexistindo outros serviços embutidos que descaracterizem a situação de simples fornecimento de materiais.”

E o senhor concorda?

Entendo que os BDIs de fornecimento que vêm sendo adotados muitas vezes reduzem excessivamente e artificialmente as despesas de administração central, os lucros e os riscos envolvidos na aquisição de equipamentos e materiais. E, ao se adotar um BDI incompatível com o serviço a ser prestado, reduz-se artificialmente o preço do orçamento referencial, cujo valor não pode ser ultrapassado. Embora reconheça a legitimidade de se adotar BDIs reduzidos em determinadas situações, tem havido abusos na elaboração dos orçamentos ao se adotar BDIs incompatíveis com o serviço que será prestado, comprometendo a definição adequada do preço de mercado da obra.

O decreto estabeleceu a não necessidade de manutenção de desconto global conseguido em licitação em caso de aditivos em contrato por preços unitários. Foi um avanço?

Tal como na LDO 2013 e o Decreto nº 7.581/2011, o novo decreto reforça que, no caso de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária, a diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência não poderá ser reduzida em favor do contratado. No caso de empreitadas por preço unitário e tarefa, tal diferença poderá ser reduzida para preservar o equilíbrio econômico-financeiro da avença em casos excepcionais e justificados desde que: 1) os custos unitários dos aditivos contratuais não ultrapassem os custos unitários dos sistemas de referência de custos; e 2) seja mantida a vantagem da proposta vencedora ante a segunda colocada do certame. A exceção é adequada.

Por quê?

Porque se há critério de aceitabilidade de preços unitários, obrigar a empresa a reduzir preços que já se encontram abaixo dos sistemas de referência poderia ensejar enriquecimento ilícito da administração e quebra do equilíbrio econômico-financeiro da avença.

E no caso dos regimes de empreitada por preço global e de empreitada integral?

Nesses casos, as licitantes poderão apresentar propostas que apresentem custos unitários diferentes daqueles obtidos a partir dos sistemas de custos de referência (Sinapi e Sicro), desde que o preço global orçado e o de cada uma das etapas previstas no cronograma físico-financeiro do contrato fiquem iguais ou abaixo dos preços de referência da administração pública.

Para evitar os chamados “jogos de planilha”?

Exatamente. Ao obrigar a manutenção do desconto nesses casos, a norma visa a evitar que as empresas adotem preços mais elevados para itens de serviços que podem ter acréscimos de quantitativos por meio de alterações contratuais no decorrer da obra e preços mais baixos para os itens sujeitos a decréscimo. Todavia, entendo que a exceção prevista no parágrafo único do artigo 14 também poderia ter sido estendida para essas modalidades de licitação.

Como funcionará a fiscalização da aplicação das regras e dos critérios do decreto?

A verificação se o orçamento de referência foi elaborado de acordo com as diretrizes do Decreto nº 7.983/2013 será realizada por meio de uma avaliação dos preços dos serviços mais relevantes (curva ABC), que, “somados”, devem corresponder ao valor mínimo de 80% do valor total das obras e dos serviços de engenharia orçados.

Fonte: Infraestrutura Urbana

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