Após 20 anos do surgimento da Lei 8.666, diversas normas foram sendo criadas, e a regulação das licitações no país se tornou ainda mais complexa.
A necessidade de a legislação sobre licitações do Brasil se adequar à atual realidade e a busca por mais celeridade e transparência despertam diferentes propostas sobre o assunto. Para alguns juristas é preciso fazer uma reforma da Lei de Licitações (8.666/1993). Já outros acreditam que a evolução e a ampliação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC – Lei 12.462/2011) é a solução para o assunto.
Em 1993, a Lei Geral de Licitações foi criada para, entre outros objetivos, possibilitar que obras públicas atendessem os preceitos constitucionais. E para dificultar os atos de corrupção nas contratações e licitações públicas. Cabe lembrar que em 1992 o país enfrentou uma série de denúncias contra o governo federal, que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Daí advém uma de suas principais características: ser formalista, o que acarreta lentidão no processo licitatório e, ao mesmo tempo, não impede que atos de corrupção sejam praticados. Ao longo desse período, diversas outras leis foram sendo criadas, e a regulação das licitações no país se tornou ainda mais complexa.
O diretor executivo do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Rafael Valim, defende a persistência da aplicação da Lei 8.666. “Boa ou ruim a 8.666 já tem uma experiência de largos anos e os riscos estão previsíveis.” O Ibeji desenvolveu um estudo que resultou em um projeto de lei que será apresentado ao Congresso Nacional, somando-se a mais de uma centena de propostas já existentes no Legislativo sobre o assunto.
De exceção para regra
Com objetivo inicial de tornar mais rápida a execução de obras para Copa do Mundo e para as Olimpíadas, o RDC foi aprovado por meio de medida provisória. Suas condições acabaram se estendendo às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para licitações na área da educação e agora está prestes a ser aplicado também para a saúde.
O professor de Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Egon Bockmann Moreira considera o RDC mais eficiente que a Lei 8.666. “Muito embora o RDC tenha sido lançado como um balão de ensaio para a Copa e a Olimpíada, a lógica dele não tem mais volta, porque é mais rápido e tende a diminuir o volume de litigiosidade”, explica.
Uma das características do RDC, similar à do pregão (ver box), é fazer a inversão de fases, com a análise da documentação apenas das empresas que tiveram as propostas aprovadas. Outro aspecto que diferencia o RDC da Lei 8.666 é a contratação integrada que possibilita que uma mesma empresa se responsabilize por todas as etapas do projeto. Na opinião dos que defendem o RDC, essas características também tornam a execução das obras mais ágil.
Carlos Ari Sundfeld, advogado especialista em Direito Público, acredita que, em longo prazo, o RDC se aplique a toda a administração pública em qualquer situação. “O RDC não inventou algo do vazio. Aproveitou as melhores experiências para fazer um novo modelo. Vem da maturidade de outras leis pontuais que eram contrárias à 8.666”.
Constitucionalidade
Rafael Valim, do Ibeji, reconhece que o RDC é uma tendência, mas critica a maneira como o regime vem sendo ampliado sem passar por um processo legislativo normal. “O modo como está sendo feita a expansão do RDC é absolutamente inconstitucional, sempre por meio de medidas provisórias. É difícil achar que é uma coisa boa. Se está violando a Constituição, não é uma coisa boa”, avalia o diretor.
Augusto dal Pozzo, vice-presidente do Ibeji, enfatiza que a Lei 8.666 é uma lei geral e tem de ser aplicada. Na opinião dele, a ampliação do RDC está gerando a convivência de dois regimes gerais, já que este modelo deveria ser utilizado somente para os eventos esportivos. “O RDC teria dia para nascer e dia para morrer. Estão estendendo esse regime, e isso vai esvaziando a 8.666.”
Mudanças graduais tornaram legislação mais completa
Antes da discussão sobre a reforma da Lei 8.666/93 e da criação do RDC, algumas alternativas para situações específicas foram criadas e, assim como trouxeram novos procedimentos, tornaram a legislação sobre licitações mais complexa.
A Lei de Concessões (8.987/95) passou a permitir que os governos contratassem empresas não apenas para fazer infraestrutura, mas para operá-la depois. O diferencial é que a administração pública passou a não precisar projetar os detalhes das obras, como ocorria com o projeto básico da Lei de Licitações.
A Lei do Pregão (10.520/2002) criou uma modalidade alternativa, que começa pela disputa de preços e não com a habilitação, como a 8.666. O advogado Carlos Ari Sundfeld considera uma vantagem a redução dos custos dos contratos públicos. Outro aspecto positivo seria o fim da guerra de recursos, já que apenas os documentos do ganhador vão para análise da hora da habilitação.
Sundfeld destaca a experiência da Petrobras, com procedimentos mais flexíveis, em que o regulamento da empresa prevê os casos em que a licitação não vai ser feita por ser “impertinente para o tipo de atividade” da empresa. A Petrobras foi a primeira a utilizar o arranjo contratação integrada que depois foi incorporado pelo RDC.
Fonte: Gazeta do Povo
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?tl=1&id=1338596&tit=Expansao-do-RDC-ameaca-Lei-Geral-de-Licitacoes