Governo vai fazer um só licenciamento por porto

A decisão de alterar a lógica do licenciamento ambiental no setor portuário, reduzindo para uma etapa o que até então é feito em diversas fases, é apenas uma das medidas que o Ministério do Meio Ambiente pretende por em prática para acompanhar o ritmo de investimento planejado pelo governo.

A decisão de alterar a lógica do licenciamento ambiental no setor portuário, reduzindo para uma etapa o que até então é feito em diversas fases, é apenas uma das medidas que o Ministério do Meio Ambiente pretende por em prática para acompanhar o ritmo de investimento planejado pelo governo. A partir de agora, as concessões de rodovias e ferrovias terão um levantamento ambiental prévio realizado pelo Ibama. Esses estudos funcionarão como uma bússola para o investidor, que poderá checar, de antemão, qual é a provável fatura e risco socioambiental que aquele empreendimento possui.

Há mais novidades a caminho. Até julho, a ministra Izabella Teixeira quer enviar à presidente Dilma Rousseff a proposta que define, exatamente, que tipos de empreendimentos – e em que situação – devem ser objeto de licenciamento federal. O objetivo é delimitar que projetos devem ser avaliados pelo Ibama e quais devem passar para a alçada de Estados e municípios. Na semana passada, a ministra assinou o ato que instituiu uma comissão tripartite nacional para fechar a proposta. O decreto que vai elencar os tipos de empreendimentos permanecem a cargo da União deve ser publicado em até dois meses. Segundo a ministra, apenas 18% das obras que estão dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são de responsabilidade do Ibama. Os outros 82% são de competência estadual ou municipal.

A ministra sustenta ainda que o governo trabalha na reclassificação de unidades de conservação do país e há uma tendência crescente de que florestas nacionais na Amazônia sejam concedidas à iniciativa privada para exploração de madeira, por meio de contratos de manejo sustentável.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: O licenciamento ambiental continua a ser criticado como o principal responsável pelo atraso em cronograma de obras. O que tem sido feito para acelerar o processo de licenciamento?
Izabella Teixeira: Neste momento, estamos trabalhando em uma proposta que definirá, claramente, as tipologias de obras que serão licenciadas e quais as competências de cada um nesse processo, ou seja, quando deve atuar a União, o Estado e o município. Os Estados já fizeram um conjunto de propostas sobre esse tema no fim do ano passado, mas não trataram das tipologias de obras. Agora essa discussão será feita por uma comissão tripartite nacional que vai dizer, por exemplo, em que casos a União tem que licenciar uma ferrovia, um porto, uma estrada ou um bloco de petróleo. A lei [complementar 140, de 2011] estabeleceu que essas tipologias devem ser definidas por um ato do poder Executivo. Agora, a presidenta Dilma vai editar um decreto definindo que tipologias ficarão a cargo da União, a partir das discussões que serão feitas por essa comissão tripartite nacional.

Valor: Quando essas definições ficam prontas? Quando sai esse decreto?

Izabella: Eu acabei de assinar [na última quinta-feira] o ato que institui a comissão. Espero fazer uma rodada de reuniões na segunda quinzena de junho para tratar de tipologias e estratégias de trabalho. Assim que definirmos uma sugestão, vamos submeter a proposta à presidenta da República. Acredito que esteja pronto para que enviemos à presidenta até julho. Com essa mudança, não criaremos conflitos com os novos quadros legais e o novo modelo institucional de cada setor. Quando definirmos aquilo que é papel da União, já teremos resolvido 90% dos problemas ligados a conflitos de competência. Para dar uma ideia do que isso significa, de todos os empreendimentos do PAC, 18% são do Ibama. Os outros 82% são de competência estadual ou municipal.


Valor:
O Ibama, por exemplo, continua a receber estudos para licenciar quiosques na praia.

Izabella: É com essas situações que temos que acabar. Um órgão estadual que licencia um polo petroquímico, por exemplo, também não pode ter que licenciar um posto de gasolina. Esse conflito existe também no Estado. Essa descentralização, portanto, é uma mudança grande que vem por ai. Vamos limpar a área e sair da zona de sombra.


Valor:
Isso resolve o problema do licenciamento?

Izabella: Resolvida a questão da competência, vamos analisar como podemos aperfeiçoar o licenciamento. O Ibama tem aperfeiçoado suas práticas. Há um movimento provocado pelos órgãos ambientais para discussão e atualização do licenciamento ambiental. Resolvida a questão da lei, vamos para a parte de procedimento e rotinas. Essa é a rota a que estaremos dedicados neste segundo semestre. Vamos definir, por exemplo, a necessidade de apresentação de um termo de referência (estudo ambiental) para projetos de concessão e como essa regra vai dialogar com novas regras como, por exemplo, as contratações baseadas no modelo de RDC [Regime Diferenciado de Contratação].


Valor:
O governo acaba de alterar as regras de concessão do setor portuário, para atrair investimento privado. Que mudanças de licenciamento ambiental podem beneficiar os portos?

Izabella: O que já está na mesa, claramente, é a exigência dos termos de referência dos estudos para os portos. São estudos com diretrizes ambientais. Isso acontece hoje no setor de petróleo. O empresário ganha uma concessão de exploração sem ter a licença prévia ambiental, mas já sabe antecipadamente qual é a criticidade do projeto, do ponto de vista ambiental. Nós estamos em contato com a Secretaria de Portos para estabelecer, no setor portuário, esse mesmo critério usado no licenciamento do petróleo. Quando a ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis] anuncia que fará uma concorrência de petróleo, ela procura o Ibama e oferece, um ano antes, informações sobre as áreas. O Ibama faz esse trabalho preliminar e emite um parecer. Se tiver uma área sensível ambiental, consulta-se os órgãos relacionados. Isso dá as diretrizes gerais do licenciamento para orientar quem vencer a concessão, sobre o que fazer junto ao órgão licenciador. Estamos retirando, ao máximo possível, a insegurança relacionada ao licenciamento, tanto para o empresário quanto para o governo.

Valor: Esse mesmo levantamento ambiental passa a valer para as novas concessões de rodovias e ferrovias, previstas para ocorrer no segundo semestre?

Izabella: Sim, todas essas concessões, dentro do que for de competência ambiental federal, também terão, antecipadamente, termos de referência prontos. Essa é a nova orientação do governo. Vamos lançar algo? Certo, então temos que sentar e discutir o assunto, sem deixar surpresas para o empresário. Isso significa mexer de forma bastante expressiva na rotina do licenciamento. Vamos identificar as questões críticas previamente para apoiar essas novas concessões. Assim, antecipamos questões ambientais que sempre surgem depois.

Valor: As concessões feitas até hoje não ofereciam, previamente, nenhum tipo de levantamento ambiental para o empreendedor?

Izabella: Não havia essa exigência. Não se pedia nada, a não ser na área de petróleo. Nós já tivemos casos, no passado, de oferta de empreendimentos que estavam dentro de reserva biológica ou em cima de mata atlântica, onde é proibido desmatar.

Valor: O Ibama tem condições de assumir uma missão dessas, em tão pouco tempo?

Izabella: É um trabalho enorme, mas vamos seguir em frente. A área ambiental vai ter que trabalhar cada vez mais. Quando eu cheguei aqui, havia menos de 80 funcionários no licenciamento do Ibama, hoje são quase 500. Temos um pedido que está na véspera de ser aprovado pelo Senado, para contratação de mais mil analistas para o Ibama. Essa área vai ganhar uma robustez muito grande, para lidar com os desafios de crescimento do país. Há uma diretriz do governo para que a área ambiental discuta previamente como todos os envolvidos, como o Ministério dos Transportes, de Minas e Energia e a Secretaria dos Portos, além de outros envolvidos. Nós já conseguimos avançar, por exemplo, na área de petróleo, onde hoje também fazemos um licenciamento por polígonos, sem exigir que o empreendedor tenha que apresentar um EIA/Rima [estudo e relatório de impacto ambiental] para cada poço que pretende explorar. Nossa ambição é sofisticar os procedimentos internos e aprimorar essa dinâmica em cada setor.

Valor: Esse tipo de licenciamento por polígonos, adotado no setor de petróleo, pode ser replicado em outras áreas, como o setor portuário?

Izabella: É o que pretendemos. Onde pudermos adotar essa técnica, vamos usá-la. Nossa ideia é aplicar esse mesmo tipo de procedimento nos 34 portos organizados do país, que são os portos públicos. Cada um desses portos tem um polígono definido por decreto. Hoje se licencia terminal por terminal, dentro de uma grande área, que é a do porto organizado. Nossa ideia é fazer o licenciamento prévio da área do porto como um todo. Com isso, você passa a ter apenas licenças específicas, de instalação e de operação, para determinados terminais, sem ter que exigir um EIA/Rima individual para tudo. Essa é a lógica de um distrito industrial.

Valor: Isso seria feito por meio das companhias Docas, que administram os portos?

Izabella: Esse processo será conduzido pela Secretaria de Portos, junto ao Ibama. Nós vamos avançar nessa discussão. É preciso lembrar que há portos organizados que são licenciados por Estados. Por isso a discussão que comentei, sobre tipologias e competências no licenciamento, é tão importante. O que não podemos mais é ficar dependentes dessa máquina sem fim de gerar estudos. Há casos de empresários que tem 35 licenças para uma mesma área. Isso é inadmissível, é reserva de mercado para consultoria ambiental. O que eu posso dizer é que a Secretaria de Portos está absolutamente dedicada a essa nova concepção junto ao Ministério do Meio Ambiente. Vamos buscar a modernização da legislação ambiental, paralelamente à nova legislação dos portos. O que precisamos é acabar de vez com a politização do licenciamento. Licenciamento é um assunto técnico, um procedimento administrativo que tem instrumentos claros de avaliação. Do nosso lado, temos que dar regimento, normas, gente qualificada e informatização. Do lado das empresas, é preciso qualificar as consultorias ambientais.

Valor: Sobre as mudanças previstas no processo de demarcações de terras indígenas, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, disse que as consultas ao Ministério do Meio Ambiente serão permanentes. O que isso significa, exatamente?

Izabella: Não discutimos detalhes dessa participação, ainda não vejo um formato final sobre isso, mas vamos dialogar. Apresentaremos nossas prioridades ambientais. O ministério já tem uma ação articulada com a Funai e hoje trabalha com questões indígenas em duas situações. Num primeiro momento, atua quando há sobreposição de unidades de conservação com terras indígenas. Acabamos de liberar, no Dia do Índio, R$ 4 milhões para elaboração de dez planos de gestão territorial ambiental em terras indígenas. Esse plano estabelece diretrizes por meio das quais auxiliamos a Funai na gestão ambiental dessas terras em práticas como, por exemplo, prevenção de queimadas e manejo sustentável. O outro lado de nossa relação trata de licenciamento de empreendimentos. Atuamos quando novas terras indígenas dialogam com eventuais licenciamentos novos ou já existentes.

Valor: Os ruralistas e ONGs ambientais têm feito críticas em relação à paralisia na regulamentação do Código Florestal. Que avaliação a senhora faz sobre isso?

Izabella: Dizer que não teve regulamentação é no mínimo uma indelicadeza. A presidenta apresentou os vetos, sancionou a MP e já colocou um decreto de regulamentação. As pessoas poderiam ser mais corretas com as informações. Eu acho absolutamente inaceitável dizer que não fizemos nada. Todos os atos que estamos realizando, de capacitação, de compra de imagens de satélite, de termos de cooperação, tudo foi feito dentro do Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente] ou dentro do Ibama. Eu compro imagens de satélite de todo o país, uma das maiores compras do planeta, e o cidadão diz que não foi feito nada? A área ambiental está com a responsabilidade e vamos fazer tudo que a lei determina. No prazo da lei, dialogando com todos.

Valor: Os deputados ruralistas também criticam a inclusão de novas regras não previstas na lei.

Izabella: É fofoca. As regras que irão ser publicadas estão na lei, não tem jogo duplo, o governo quer dar tranquilidade ao produtor. A lei manda apresentar um plano de recuperação e é isso que vamos fazer. Sem surpresas. O prazo de um ano, prorrogável por mais um ano para o produtor se cadastrar, só começa a valer a partir do momento em que o ministério declara oficialmente implementado o CAR [Cadastro Ambiental Rural], com a publicação de uma instrução normativa. As diretrizes gerais já foram publicadas no decreto de outubro da presidenta Dilma. Enquanto isso, os Estados podem e devem fazer seus regulamentos específicos.

Valor: Quando sai a instrução normativa?

Izabella: Ela já está pronta e passa pelos últimos ajustes. Estamos analisando se o processo ocorrerá sem problemas. Só vou colocar na rua quando tiver 100% de certeza de que vai ficar em pé. Quando estiver tudo pronto eu mesma vou propor minha ida ao Congresso para explicar os detalhes. Não tem nada além do que está na lei, não tem nenhuma pegadinha.

Valor: No ano passado, o governo reduziu algumas unidades de conservação ambiental na Amazônia. Serão feitas mais reduções?

Izabella: No Congresso, tem mais de 400 projetos de lei em tramitação para alterar unidades de conservação, mas na minha mesa, não há nenhuma proposição de desafetação.

Valor: O governo acaba de fazer uma concessão florestal em Rondônia, para exploração de madeira. Essa prática será ampliada para a Amazônia?

Izabella: Criamos a lei de concessão florestal em 2006. É um processo que está passando por aprimoramentos. A florestal nacional é um tipo de unidade de conservação que permite a exploração sustentável. A concessão existe quando essa floresta tem apelo comercial para o manejo sustentável e tem estoque de madeira para isso. Sobre essa questão de tipos de florestas, aliás, nós estamos trabalhando em uma proposta de recategorização de unidades de conservação. Algumas dessas florestas nacionais não deveriam estar categorizadas como florestas nacionais, deveriam ser parques etc. Isso está sendo discutido no ICMBio [Instituto Chico Mendes]. Estou esperando que cheguem a um consenso.

Valor: Devemos ter mais concessões de florestas na Amazônia?

Izabella: Sim, a tendência é de que esse processo aumente.

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