A análise é do juiz criminal Ali Mazloum, titular da 7ª Vara Federal de São Paulo. Segundo Mazloum, a operação não precisa mais fazer tanto estardalhaço para atingir seus objetivos. “Não acredito nessa história de que se a Lava Jato se tornar menos pública vai morrer.”
“A Lava Jato é a operação mais importante da história do Brasil, mas precisa continuar de outro jeito, com a ‘bola no chão’. Não estamos dando chance para o Brasil se recuperar.” A análise é do juiz criminal Ali Mazloum, titular da 7ª Vara Federal de São Paulo. Segundo Mazloum, a operação não precisa mais fazer tanto estardalhaço para atingir seus objetivos. “Não acredito nessa história de que se a Lava Jato se tornar menos pública vai morrer.”
Como exemplo, ele cita o vazamento da delação de Marcelo Odebrecht, que teria dito que o ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), recebeu R$ 23 milhões via caixa dois. “Com um vazamento assim, cria-se uma instabilidade política e econômica. Deveria haver um sigilo melhor”, afirmou. “Entendo o tempo da imprensa, mas com o vazamento é criada uma expectativa de mercado. O governo que já é provisório terá mais dificuldades de sair dessa situação de crise.”
O magistrado abordou a Lava Jato em entrevista ao JOTA sobre a publicação de seu sétimo livro, Reserva de Jurisdição: Os Limites De Um Juiz Na Investigação Criminal, da editora Matrix. O lançamento do livro será online, nesta sexta-feira (4/11), em seu blog, às 11h30.
Na obra, Mazloum analisa o que qualifica como “abusos”, que teriam sido cometidos por seus colegas de profissão, com base em temas do momento, como delação premiada, CPIs, quebra de sigilo telefônico e bancário, terrorismo e outros. “O Judiciário falha tanto que é difícil falar que atua bem em algum setor. Precisa ser reformulado, modernizado, mais profissional”, afirma Mazloum. “No Brasil vivemos esse momento, de transposição de limites, na maioria das instituições, polícia, MP e Judiciário.”
O magistrado diz que sentiu abusos do sistema de Justiça na própria pele: em 2003 foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF), no âmbito da Operação Anaconda, de estar envolvido em uma quadrilha que vendia sentenças. Mazloum ficou quase dois anos afastado do cargo, até que retornou à Justiça Federal graças a um habeas corpus obtido no Supremo Tribunal Federal, que extinguiu o processo.
Na entrevista, ele também fez críticas à recente decisão do STF, de execução provisória da pena.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Ali Mazloum:
Limites da investigação
“Antes da Constituição, havia limitações a investigações. Depois houve uma uma abertura maior, inclusive para a atuação do Ministério Público, que foi alçado a um super órgão, e as instituições passaram a conhecer novos espaços, que não conheciam antes.
A questão muda com novos instrumentos de investigação, mas alguns atores não souberam ‘brincar’ com eles, como interceptação telefônica, infiltração policial e a delação premiada. Lidar com tudo isso acabou acarretando em excessos e ilegalidades.
Em SP, tivemos cinco operações de grande porte anuladas pelo STJ e pelo STF, pois houve excesso de ilegalidades. Hoje há novos instrumentos para o enfrentamento do crime, mas eles ainda não são usados com o equilíbrio necessário. Há juízes e autoridades que se excedem, ainda que sob pretexto que estão fazendo uma causa nobre, mas não dá para concordar com isso.”
Lava Jato
“É a operação mais importante da história do Brasil, tem que continuar, mas tem que continuar de outro jeito, é preciso botar a bola no chão. A gente não está dando chance para o país se recuperar. Não estou dizendo que tem que poupar ninguém, mas precisa um viés menos extensivo, de menos espetáculo. O grande mérito da Lava Jato é mostrar para todos como é o sistema. E o processo serve para mexer no sistema. Já sabemos como eram feitos os financiamentos de campanha, as gestões de uma empresa pública. É preciso mudar. Pode muito bem continuar, mas sem essa publicidade. Não acredito nessa história de que se ela se tornar menos pública vai morrer.
A Lava Jato está sendo usada até para defender aumento de salário de juiz e procurador. Sempre tem alguém para dizer que aquilo que o desagrada é retaliação à Lava Jato – isso é um absurdo.
Prefiro acreditar que não é verdadeira a tese de que, na Lava Jato, prende-se para forçar delação. Se isso fosse verdade, estaríamos à frente de uma tortura institucionalizada. Vivemos em um Estado Democrático de Direito. A imprensa fala isso com muita naturalidade, como se usasse o método de tortura para obter delações. A prisão do Guido Mantega [ex-ministro da Fazenda] é uma evidência forte que pode haver ilegalidade nesse tipo de prisão. Em nenhum lugar da nossa legislação diz que, se acompanhar um doente, a prisão não é necessária. Ficou provado que era mais para espetáculo.
O Supremo vai começar a exigir que os investigadores e juízes andem na linha. E isso foi demonstrado nas ultimas decisões que tomou.”
Juiz tem lado?
“O juiz traz uma carga de sua experiência de vida e transpõe ao processo. Um magistrado favorável ao aborto, por exemplo, vai procurar brechas para transpor sua ideologia no processo. É mentira que não existe ideologia. Identifico que muita gente tem ‘lado’ na Justiça Federal. Mas nosso compromisso é com a neutralidade! Nos últimos anos, creio que mais juízes adotaram um determinado lado, geralmente coincidente com o lado da imprensa. É difícil um juiz nadar contra a correnteza. Juízes e promotores têm receio de contrariar o rumo que a imprensa segue.”
Execução provisória da pena
“A prisão em segunda instância é um retrocesso. Como o Judiciário é ruim e moroso, tenta-se compensar isso colocando as pessoas na prisão. O certo é esperar o trânsito em julgado. Aguardar que uma decisão seja avaliada até a última instância não significa dizer que as decisões do juiz e do desembargador não valem nada. O Protógenes [Queiroz, ex-delegado federal e ex-deputado Federal], por exemplo, eu condenei. Chegou no STF, eles mantiveram a decisão, e aí então mandaram cumprir a pena. Não vejo o motivo de minha decisão não ter sido válida.
A grande questão é que aceitamos isso por causa da demora do Judiciário. Não é que só o STF vale, mas 25% das decisões mudam nos tribunais superiores. Estamos defendendo que 25% de inocentes podem ser presos. De cada cem, vou prender 25?”
Juiz de garantias
“Sou totalmente favorável. O Juiz da investigação não deve atuar na fase processual. Dificilmente o juiz que começa uma investigação consegue manter imparcialidade e neutralidade. Juízes vão chiar e bater, mas isso é da própria natureza humana. Ao longo da investigação, o juiz adquire crenças e convicções. Dali para frente, é comum que ele superdimensione o que vai ao encontro de sua opinião, menosprezando os argumentos dos outros lados.“
Aposentadoria compulsória é punição?
“Se o fato é grave, vai ter ação penal e então o juiz perde cargo e aposentadoria, correndo risco até de ser preso. Se a for infração for administrativa, pode haver o afastamento do cargo, que é punição gravíssima. A punição varia de acordo com o que o juiz fez de errado. Aposentadoria compulsória pode até ser um prêmio, mas o afastamento, não. Não consigo imaginar uma infração administrativa que não seja crime. A democracia tem um preço, que é a presunção de inocência. Como vou tirar a remuneração? E se for inocente? Primeiro prove-se a culpa.
Quando o Judiciário decide agir de forma isenta atua bem para avaliar processos cometidos por juízes, acaba atuando bem. Mas o Judiciário falha tanto que é difícil falar que atua bem em algum setor. O problema é quando os amigos julgam. Eles pensam: ‘Esse é amigo, vou fechar pra lá, vamos aposentar compulsoriamente’. São jeitinhos que se dá, o Judiciário não é um órgão profissional.”
Fonte: Jota