Licitações sob risco jurídico

Os artifícios legais adotados pelo governo nos últimos anos para impedir atrasos em obras de infraestrutura vão gerar uma onda de ações na Justiça antes do fim desta década.

Os artifícios legais adotados pelo governo nos últimos anos para impedir atrasos em obras de infraestrutura vão gerar uma onda de ações na Justiça antes do fim desta década. Advogados especializados em contratos com o setor público alertam para a possibilidade de uma série de denúncias de improbidade administrativa, apresentadas por procuradores federais e por gestores privados, sobretudo se o polêmico Regime Diferenciado de Contratação (RDC) — criado em 2011 para acelerar projetos ligados à Copa de 2014 e às Olimpíadas — avançar sobre o programa de concessões de rodovias e ferrovias. 

O modelo alternativo à Lei de Licitações (8.666/1993) já foi modificado para contemplar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), obras em aeroportos, portos e até em escolas e hospitais. O Planalto e os parlamentares de sua base no Congresso estão elaborando propostas para tornar o RDCuma prática comum em todas as licitações. A prova é que o relatório do PAC prevê o uso desse regime em estradas incluídas no pacote de privatização, inaugurado este mês. Por disso, o valor das obras é oculto, como prevê a nova regra. 

 “Mesmo que não existam fraudes, os órgãos de controle dos gastos públicos e o Judiciário serão chamados daqui a cinco anos para avaliar o escândalo do orçamento sigiloso e a impossibilidade de aditivos aos contratos determinada pela RDC”, advertiu Márcio Cammarosano, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele frisou que a readequação do equilíbrio financeiro dos contratos de concessionários, após a constatação de imprevistos que onerem as obras, é uma garantia constitucional. “Também é temerário permitir que o Estado estipule valores de projetos apenas a partir de estudos básicos.” 

Augusto Dal Pozzo, professor da PUC-SP e especialista em licitações de infraestrutura, teme que a excessiva informalidade dos estudos básicos elaborados pelo governo, transferindo para o contratado o papel de detalhar a engenharia, é a maior razão para a elevada diferença entre os preços apresentados. “Esse modelo inviabiliza qualquer comparação entre propostas e torna a licitação um mero sorteio”, ressaltou. 

Debate 
Para juristas que participaram ontem de um encontro para debater as concessões, a inesperada ausência de interessados no leilão da BR-262 (MG/ES) deixou claro o receio de investidores em assumir riscos provocados pelos repetidos atrasos em projetos tocados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). “O mesmo problema pode ocorrer no leilão da BR-101, o próximo previsto”, disse o advogado André Castro Carvalho. 

O secretário executivo do PAC, Ricardo Maurício Muniz, reconheceu durante o evento que muitos dos atrasos decorrem de falhas de projetos, mas ressaltou a prioridade do governo em viabilizar as obras em parceria com o empresariado. Para representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), o RDCestabelece uma convergência entre a busca pelo menor preço e os maiores resultados para a sociedade. O diretor executivo do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Rafael Valim, acredita que o Executivo errou ao não optar por uma atualização da Lei nº 8.666. “O resultado teria sido melhor e mais abrangente”, julgou.

 

Fonte: Correio Braziliense

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