O Direito Administrativo tem relação com o sistema prisional?

A partir do momento em que o poder Judiciário sentencia, em caráter definitivo e irrecorrível, alguém ao cumprimento da pena, inicia-se a atividade administrativa de encarceramento, guarda e soltura de preso. 

A partir do momento em que o poder Judiciário sentencia, em caráter definitivo e irrecorrível, alguém ao cumprimento da pena, inicia-se a atividade administrativa de encarceramento, guarda e soltura de preso. 

É no campo do Direito Administrativo que se desenvolvem as seguintes atividades administrativas:

a)construção de presídios;

b)contratação de pessoal, mediante concurso público;

c)licitação e contratação de alimentação;

d)licitação e contratação de serviço médico, odontológico, social e psicológico;

e)contratação de equipamentos de fiscalização por meio de raio-x, tornozeleira eletrônica, armas e outros apetrechos de segurança. 

Mas, um dos pontos mais importantes, porém pouco conhecido, é que o encarcerado está sujeito a regime disciplinar, com a possibilidade de aplicação de penas, precedidas, é claro, da apuração, com garantia de ampla defesa e contraditório.

Os recentes episódios ocorridos nos presídios dos estados de Amazonas, com 56 mortos, e Roraima, com 37 mortos, estão sendo atribuídos a condutas de governadores e do ministro da Justiça. 

Certamente, é muito cômodo tentar encontrar culpados no Poder Executivo. 

É necessário, no entanto, esclarecer alguns fatos antes de colocar o ministro Alexandre de Moraes, um dos maiores juristas brasileiros, no banco dos réus — ao gosto dos que condenam antes de analisar os temas. 

Pense em alguns dados…

1º ponto – O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. 

[…] segundo dados divulgados nesta terça-feira (23) pelo Ministério da Justiça, referentes ao primeiro semestre de 2014. Em números absolutos, o Brasil alcançou a marca de 607.700 presos, atrás apenas de Rússia (673.800), China (1,6 milhão) e Estados Unidos (2,2 milhões). Quando se compara o número de presos com o total da população, o Brasil também está em quarto lugar, atrás de Tailândia (3º), Rússia (2º) e Estados Unidos (1º). Segundo o Ministério, se a taxa de prisões continuar no mesmo ritmo, um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades em 2075.¹

2º ponto – Muitos presos que estão encarcerados ainda não receberam o primeiro julgamento. 

A Comissão Interamericana de Direito Humanos — CIDH da Organização dos Estados Americanos — OEA divulgou nesta sexta-feira, em São Paulo, o ‘Relatório sobre o uso das prisões preventivas nas Américas’, que critica a utilização excessiva da prisão provisória em países da região. O levantamento mostrou que cerca de 40% da população carcerária brasileira é formada de detentos provisórios. Segundo a Comissão, o Brasil é o segundo país com maior população carcerária das Américas, ficando atrás apenas dos EUA. O documento diz que dos 550 mil presos no Brasil — dados de 2013, não levando em conta pessoas em situação de prisão albergue domiciliar —, ‘uma das maiores populações carcerárias do mundo’, 217 mil estão à espera de julgamento.²

3º ponto – O custo de um preso no Brasil.

Enquanto o país investe mais de R$ 40 mil por ano em cada preso em um presídio federal, gasta uma média de R$ 15 mil anualmente com cada aluno do ensino superior — cerca de um terço do valor gasto com os detentos. Já na comparação entre detentos de presídios estaduais, onde está a maior parte da população carcerária, e alunos do ensino médio (nível de ensino a cargo dos governos estaduais), a distância é ainda maior: são gastos, em média, R$ 21 mil por ano com cada preso — nove vezes mais do que o gasto por aluno no ensino médio por ano, R$ 2,3 mil. Para pesquisadores tanto de segurança pública quanto de educação, o contraste de investimentos explicita dois problemas centrais na condução desses setores no país: o baixo valor investido na educação e a ineficiência do gasto com o sistema prisional.³

4º ponto – O problema tem solução.

Que tal considerar que é possível liberar metade dos presos que estão aguardando julgamento? Formar uma força tarefa de âmbito nacional para decidir e rever penas? Obrigar, isso mesmo, obrigar os membros do Ministério Público e do Judiciário a considerar este tema como prioritário e colocar todos, ao menos em meio período, cuidando deste tema e no outro meio período em funções normais? Em seis meses, apenas seis meses, a população carcerária certamente estaria reduzida a metade.

Outro fator que deveria ser considerado é a possibilidade de rever todos os casos de prisão, para avaliar como e em quais casos é possível substituir a prisão por penas alternativas, como tornozeleiras. Note. “Com a implementação do novo sistema, o governo prevê redução nas despesas do sistema prisional de Brasília. Um preso custa, em média, R$ 2,5 mil por mês. O preço máximo de cada tornozeleira deve chegar a R$ 241,71, incluindo neste valor uma baia, um computador e um funcionário para monitorar 300 presos.”4

5º ponto – Parceria público-privada.

Considere a possibilidade deste cenário: presos em processos de ressocialização, estudando, trabalhando e até cursando universidade. Afinal, é para isto que são colocados no presídio: para serem resssocializados.

Eis uma experiência exitosa brasileira:

Há um único presídio construído no Brasil em sistema de Parceria Público-Privada (PPP). Em seus três anos de existência, nunca houve motim, rebelião ou mortes violentas — e contam-se duas fugas. O complexo, que está localizado em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, abriga hoje 2.016 detentos, distribuídos em três unidades: duas para regime fechado e uma para regime semiaberto.

O governo de Minas paga R$ 3.500 mensais per capita à empresa GPA (Gestores Prisionais Associados), que administra o complexo. Mas somente a metade do valor (R$ 1.750) refere-se ao custo do preso e à manutenção da cadeia. A outra metade é reembolso pelos investimentos na construção do complexo, erguido e equipado pela iniciativa privada, ao custo de R$ 280 milhões (valores de 2012). O presídio conta com instalações médicas e odontológicas, salas de aula, oficinais de trabalho e áreas de lazer.

De acordo com a GPA, dois mil presos têm atividades educacionais no presídio. As aulas vão da educação fundamental, passando pelo ensino técnico e universitário. Há 80 matriculados em cursos do Pronatec e 32 fazem faculdade à distância. Outros 60 seguem cursos religiosos. Há também aulas de música. Em 2014, houve oficinas de teatro para a montagem de apresentações.5

Conclusão

O Direito Administrativo prevê instrumentos adequados para resolver definitivamente esse problema. É necessário, porém, o esforço conjunto dos Poderes Executivo e Judiciário e do Ministério Público.

Se há culpado, certamente o ministro da Justiça ainda é jovem para dever tanto e não pode ser culpado pelas mazelas que levaram nosso Poder Judiciário a ter mais de cem milhões de processos em tramitação.

Os dados estão aí, disponíveis, e as ferramentas também. 

 

¹ BRASIL tem 4ª maior população carcerária do mundo, diz estudo do MJ. Portal UOL. Disponível em: Acesso em: 09 jan. 2017.

² GUANDELINE, Leonardo. Quase metade dos presos no Brasil espera julgamento, revela relatório da OEA. O Globo. Disponível em: Acesso em: 09 jan. 2017.

³ DUARTE, Alessandra; BENEVIDES, Carolina. Brasil gasta com presos quase o triplo do custo por aluno. O Globo. Disponível em: Acesso em: 09 jan. 2017.

4 DF vai adquirir 6 mil tornozeleiras eletrônicas para reduzir superlotação prisional. Agência Brasília. Disponível em: Acesso em: 09 jan. 2017.

5 BERGAMASCHI, Mara. Com três anos, presídio privado em Minas Gerais não teve rebeliões. O Globo. Disponível em: Acesso em: 09 jan. 2017.

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