Prazo termina e 70% das cidades adotam planos de educação

Secretários municipais e estaduais de Educação que descumprirem os prazos de metas e estratégias de seus planos locais e do Plano Nacional de Educação (PNE) estão sujeitos a multas, processos administrativos ou até ações por improbidade. [...]

Secretários municipais e estaduais de Educação que descumprirem os prazos de metas e estratégias de seus planos locais e do Plano Nacional de Educação (PNE) estão sujeitos a multas, processos administrativos ou até ações por improbidade. Especialistas ouvidos pelo G1, porém, explicam que a fiscalização não deve se ater apenas ao mero cumprimento de prazos, mas entender quais são os gestores que estão trabalhando, e os que estão sendo omissos.

De acordo com dados do Ministério da Educação, até a noite desta sexta-feira (26), 3.924 dos 5.570 municípios já tinham sancionado seus planos municipais, ou seja pouco mais de 70%. Em 24 horas, quase 200 municípios entraram nessa lista. Já entre os estados, o número se manteve: 11 dos 26 estados já têm a lei sancionada. O Distrito Federal ainda não havia sancionado a lei, segundo o site de acompanhamento dos planos. 

O MEC tem considerado, porém, que os municípios cumpriram a meta quando já têm o projeto de lei elaborado, mesmo que ele ainda não tenha sido enviado ao Legislativo para a aprovação antes da sanção. Nesta sexta, o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiroafirmou que cerca de 90% dos 5.570 municípios brasileiros estão nesta situação.

“Em muitos casos, a discussão só começou mesmo este ano. O importante é ter planos discutidos maduramente mais do que aprovados a toque de caixa”, disse ele, após reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo.

 Não é necessário ter nenhum viés punitivo. E se tivesse um viés punitivo, muito poucos municípios seriam afetados. O que a lei exige não é que esteja sancionado ou sequer aprovado na Câmara, ela exige é que até ontem os estados e municípios tivessem elaborado seu projeto de lei. Isso praticamente todos fizeram.”

Mas cumprir o prazo do PNE para a elaboração dos planos locais não é a única tarefa das redes municipais e estaduais.

Elas também precisam executar as metas e estratégias da nova legislação na próxima década e, caso deixem de fazê-lo, podem sofrer diversos tipos de sanções administrativas, financeiras e judiciais.

Veja abaixo como funciona o processo de elaboração dos planos, e os mecanismos de supervisão, acompanhamento e punição para quem descumprir o PNE:

DIAGNÓSTICO

Existe um motivo técnico para que o número de redes passando rapidamente pelas últimas três etapas do plano (enviar o projeto de lei à câmara municipal, aprovação do projeto, e sanção da lei) seja alto, na opinião de Alessio Costa Lima, novo presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretário municipal de Educação de Tabuleiro do Norte (CE). Segundo ele, as etapas iniciais de elaboração dos planos de educação foram as mais demoradas por causa da produção do diagnóstico de cada rede.  Mas, após elas, o processo foi mais rápido. “Atribuímos isso à dificuldade que alguns tiveram em buscar os dados para fazerem o diagnóstico, e à falta de cultura no uso dessas informações para construir um planejamento. Após a fase de construção do documento-base, percebemos que as próximas fases aconteciam de forma mais rápida”, afirmou ele.

De acordo com Luiz Antonio Miguel Ferreira, promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o diagnóstico é uma parte fundamental do plano, já que é com base nele que é feita a discussão pública. Ferreira acompanhou o processo de elaboração de cinco planos do Oeste Paulista, na região de Presidente Prudente, e citou exemplos de metas que tiveram a discussão pausada nas audiências públicas porque o diagnóstico estava incompleto.

“Depois que foi feito o projeto, as audiências aconteceram quase todo dia. Algumas tivemos que suspender porque deu polêmica, o diagnóstico não tava bem feito, então refazíamos a audiência”, afirmou ele. “Estava tendo mobilização, discussão. Só que deixaram para encaminhar o projeto no final. De repente estava todo mundo aprovando [o projeto de lei].”

DEBATE COM A SOCIEDADE

O PNE não detalha exatamente como deve ser feita a consulta à população sobre o documento feito com base no diagnóstico. Mas, em geral, o debate foi feito em audiências públicas. Em Presidente Prudente, o promotor de Justiça disse que houve uma série delas, que chegaram a acontecer diariamente.

A participação popular, porém, variou de acordo com o interesse. “Os governos têm discutido com a sociedade, mas me parece que quem mais se faz presente nessas audiências são pessoas com interesse direto. Ou seja, professores. Quando você vai discutir a meta 17, da carreira, aí lota muito de professores”, explicou.

Para Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do Todos pela Educação, o prazo para os munícipios discutirem seus planos foi curto. “O congresso discutiu o plano por 4 anos, mas o legislativo e estadual ficaram apenas com um ano”, diz ela. “Tem municípios e estados que já tinham começado a conversa, a estrutura básica já existia e já era possível se iniciar a articulação local, mas o receio que ficou com esse prazo curto foi a possibilidade de ter um debate real, de conseguir fazer um diagnóstico e de que o plano refletisse essa realidade local.”

Mas, segundo ela, o prazo curto não é indicativo de irregularidade. “O risco de ter uma reflexão pior existe, porque de fato o prazo foi curto. Mas não isso não quer dizer que quem avançou mais rápido nessa última fase necessariamente fraudou o processo.”

PLANO GENÉRICO X PLANO DETALHADO

Alejandra explica que os planos locais de educação devem ser feitos com estrutura semelhante à versão nacional, mas precisam ser mais detalhados em relação ao que acontece especificamente no município ou no estado. “O que se esperava era que os planos municipais não fossem uma cópia do nacional, que, a partir do diagnóstico local eles se adaptassem às realidades locais.”

Luiz Antonio Ferreira, do MP-SP, afirma que as redes não são obrigadas por lei a incluir todos os tipos de detalhamento das políticas de educação no plano, como, por exemplo, um número máximo de alunos por sala de aula, e a proporção de professores por alunos na escola.

Mas, segundo ele, quando existe essa definição, é mais simples fazer o acompanhamento e cobrar das redes o cumprimento da estratégia. “Isso é qualidade”, explicou. “Hoje a gente tem parâmetros [para acompanhar a execução de políticas de educação], mas parêmetros não são leis. Agora, quando você coloca o  parâmetro na lei, você tem que seguir a lei. Se vou cobrar que tem que ter um professor para cada cinco alunos, eu vou baseado em uma lei do município. Para nós isso é muito importante, porque o plano não fica como uma carta de boas intenções, nem uma carta de ficções, ele tem resposta efetiva.”

ATRASO X OMISSÃO

Ferreira afirma, porém, que os promotores não exercem apenas a função de fiscalizadores dos prazos. “O papel do Ministério Público não é só acompanhar a implantação do plano, isso faz parte, vamos tentar acompanhar, tem prazos estabelecidos, metas a serem cumpridas. Mas, mais do que isso, temos que ver com o gestor o que é que precisa ser feito para que as metas sejam cumpridas.”

“Não é simplesmente controlar o prazo, é ser parceiro na execução desses planos, para que eles atinjam os seus objetivos de melhoria da qualidade da educação”, explicou.

Por causa do curto prazo, o promotor diz que não é um problema grave que municípios e estados levem dias ou até mais de um mês para finalizar o plano local.

“Tem que ter um certo entendimento dessa questão, o PNE demorou três anos a mais para ser feito. Não é porque um município demorou um mês, um mês e meio, que a gente vai entrar com ação. O importante é que está fazendo. O problema é quando ele não faz. Aí sim vamos tomar atitude para que ele faça.”

MECANISMOS DE CONTROLE

Quando é preciso tomar medidas para garantir o cumprimento da lei, Ferreira diz que o Ministério Público tem uma série de mecanismos antes de chegar à necessidade de judicialização. “Você tem mecanismos de solução desse problema, pode instaurar procedimento para acompanhar a execução. Você vai responsabilizar o gestor, entrar com uma ação de obrigação de fazer sob pena de multa, para que ele faça o plano, ou uma ação de improbidade por omissão”, disse ele.

“O conselho de educação, ou mesmo o pai de aluno podem cobrar do gestor, todos podem ser corresponsáveis. O conselho tem poder de pressão”, disse ele, sobre a participação popular.

Procurado pelo G1, o Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou que, “em qualquer tema fiscalizado”, os tribunais nos estados têm competência para aplicar multa e decretar, durante a apuração de irregularidade, a indisponibilidade dos bens do responsável por até um ano.

“Se considerar a infração grave, o TCU pode inabilitar o responsável para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública federal por um período que variará de cinco a oito anos e, em caso de fraude, pode declarar a inidoneidade de responsável para participar de licitação.”

Ferreira explica ainda que, apesar de o MEC não ter mecanismos específicos de punição administrativa contra redes que não cumpram a lei, há tipos de sanção indiretos como, por exemplo, a impossibilidade de participar de programas federais caso a rede não tenha concluído seu plano local de educação.

LEI DE RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL

Uma das estratégias do PNE diz que o Brasil deve “aprovar, no prazo de 1 ano, Lei de Responsabilidade Educacional, assegurando padrão de qualidade na educação básica, em cada sistema e rede de ensino, aferida pelo processo de metas de qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais”.

Esse prazo terminou na última quarta-feira (24) e não foi cumprido. Segundo o MEC, o projeto de lei já foi encaminhado ao Congresso Nacional, e agora cabe ao Poder Legislativo analisar e aprovar o tema.

“Eu esperava que a lei tivesse já sido apreciada e votada, mas não uma lei genérica”, avaliou Ferreira.

Para Alejandra, do Todos pela Educação, ter uma lei específica para responsabilizar os gestores de educação serve para dar ênfase na garantia de uma educação de qualidade no Brasil. “Acho que a principal função da lei será mostrar que não é admissível a regressão na qualidade da educação. O gestor de educação é responsável, não por dar vagas na escola, mas é resposável pela aprendizagem, por dar as condições para que a aprendizagem aconteça na sala de aula.”

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