Congestionamentos intermináveis, falta de estrutura em unidades de saúde e creches sem vagas. Esses problemas, tão distantes entre si, mas comuns à rotina de milhões de brasileiros, poderiam ser parcialmente solucionados caso o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, criado para trazer agilidade às licitações públicas, ocasionasse mudanças práticas na execução das obras espalhadas pelo país. No entanto, mesmo depois de dois anos de sua implantação, o modelo ainda pena para deslanchar e evitar os tão conhecidos atrasos nos cronogramas.
Associações criticam uso indiscriminado do novo modelo
Associações de empresas do setor de infraestrutura têm criticado o uso indiscriminado do Regime Diferenciado de Contratações – RDC e pedem ajustes no modelo. Segundo o consultor jurídico Benedicto Porto Neto, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC é contra a coexistência de regimes distintos de contratação e o novo modelo não instituiu a garantia do cumprimento dos contratos.
“O RDC não instituiu nenhum mecanismo de garantia do efetivo cumprimento de contrato. Além disso, na modalidade integrada, o orçamento oculto não nos permite saber o que o órgão público quer contratar e os curtos prazos para elaboração do projeto excluem empresas de menor porte”, critica Benedicto Neto.
Em discurso à Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados em maio, José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias – Aneor, pediu mudanças no modelo: “Queremos ter um valor de referência. Se com o RDC a responsabilidade da obra é toda nossa, é claro que queremos fazer o melhor para termos resultados”.
Para o presidente do TCU, ministro Augusto Nardes, “é preciso acompanhar melhor toda a dinâmica definida por essa medida para avaliar conclusivamente os resultados”. Segundo o ministro, o Tribunal entende que “o estabelecimento de melhores condições de contratação, associado à maior celeridade na execução de empreendimentos públicos, advinda do uso do RDC, não poderá redundar em prejuízo aos requisitos essenciais de transparência e austeridade”.
CGU
Em nota, a CGU lembrou que não existe lei capaz de tornar as contratações invulneráveis à fraude ou à corrupção. O órgão também reforçou que “o RDC traz inovações que ainda não foram suficientemente testadas”.
Apesar de ainda não ter utilizado o regime diferenciado de contratação, o Governo do Paraná projeta utilizá-lo em futuras obras do PAC 2, como a construção de corredores de BRTs que ligarão Curitiba a cidades vizinhas. “A Lei 8.666 foi um grande avanço na década de 1990 para evitar a corrupção, mas hoje, com os mecanismos de controle que temos e o crescimento dos municípios, ela ficou ultrapassada”, afirmou o secretário do Desenvolvimento Urbano Ratinho Jr, que ponderou a necessidade de ajustes no modelo sugerido pelo RDC. “Como o prazo para apresentação de projetos é curto, as empresas pequenas acabam excluídas”, diz.
3 meses foi o tempo médio entre o lançamento e homologação das licitações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) feitas via RDC. Anteriormente, segundo o órgão, todo o processo demorava cerca de dez meses. O Dnit afirma ter feito nos últimos dois anos 226 licitações via RDC e homologado 48% delas. Já a Infraero diz ter realizado 80 certames pelo mecanismo e homologado 55 deles.
Inicialmente criado para acelerar as obras da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, o RDC foi ampliado no ano passado para todas as obras do PAC 2, que incluem, por exemplo, a construção de creches e unidades de saúde. Em síntese, o modelo desburocratiza o processo licitatório ao reduzir fases de recursos, permitir a contratação de uma única empresa para todas as fases do serviço e habilitar apenas a empresa vencedora do certame. Pelo modelo tradicional, regido pela Lei 8.666/93, todos os concorrentes são previamente habilitados.
Em Curitiba, a prefeitura utilizou o modelo em apenas cinco lotes de três obras relacionadas ao PAC da Copa ? todas elas atrasadas em relação aos prazos originais da Matriz de Responsabilidades do evento. Já o Governo do Paraná ainda não se valeu da estratégia, mas deverá utilizá-la para a construção de quatro BRTs – Bus Rapid Transit – corredores de ônibus que ligarão Curitiba a Colombo, Fazenda Rio Grande, São José dos Pinhais e Pinhais, no valor de R$ 550 milhões.
Já em São Paulo, onde 147 mil crianças de zero a 3 anos aguardam por uma vaga em uma creche pública, não há previsão para o mecanismo ser utilizado, conforme a Secretaria Municipal de Educação. A capital paranaense também tem uma fila quilométrica por vagas e, assim como a paulista, não tem projetos contratados via RDC.
Para o engenheiro civil Pedro Paulo Piovesan de Farias, diretor do Instituto Brasileiro de Fiscalização de Obras Públicas (Ibraop), o novo modelo de contratação não mudará o cenário de obras atrasadas. ?Apregoou-se no início que o RDC aceleraria obras, mas o máximo que ele consegue é reduzir prazos de contratação. O que acelera uma obra é um bom planejamento, com bons projetos e orçamentos reais?, diz.
Até mesmo quem já utilizou o RDC em dezenas de oportunidades reconhece que o regime ainda demanda ajustes das partes envolvidas. “A Europa toda já utiliza esse mecanismo e os órgãos brasileiros vão precisar se especializar, assim como as empresas. Até porque é provável que um município com um corpo técnico não especializado tenha certa dificuldade com RDC”, afirma José Antonio Pessoa Neto, superintendente de licitações e compras da Infraero.
Órgãos defendem agilidade do RDC
Apesar dos resultados tímidos nos canteiros de obras, os órgãos que têm utilizado o novo regime veem o modelo com bons olhos. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – Dnit, por exemplo, diz ter realizado 226 licitações via RDC e homologado 48% delas. Segundo o departamento, o modelo aumentou a competitividade e diminuiu os prazos para a realização do processo de dez meses para menos de três meses.
A Infraero, por sua vez, diz ter reduzido seus prazos de concorrência de 132 para 62 dias. Uma das contratações pelo RDC foi a reforma e ampliação do terminal de passageiros do Aeroporto Afonso Pena, realizada em 82 dias e de forma integrada, quando uma mesma empresa fica responsável pelo projeto e execução da obra.
Já a prefeitura de Curitiba, que passou a utilizar o RDC apenas na atual gestão, informou que as licitações dos cinco trechos de obras do PAC da Copa foram realizadas, em média, em 37 dias – menos da metade do tempo médio que se gastava no modelo convencional.
Fonte: Gazeta do Povo