Seu celular, sua produtividade e sua educação

Mensagem sobre a utilização do celular no ambiente de trabalho e como ele afeta as relações interpessoais.

Semana passada eu estava num café da manhã com 4 executivos de uma grande empresa, conversando sobre o briefing de uma palestra que faria para o grupo de gestores da companhia, num evento que reuniria coordenadores, gerentes, diretores e presidência. O tema solicitado para minha fala era justamente sobre Relações no Trabalho e Produtividade. O detalhe: somente eu e um dos 4 profissionais estávamos, de fato, no tal encontro. Os outros 3, apesar de sentados à mesa, estavam somente na nobre companhia de seus smartphones, isolados, mal-educados, reféns dos vícios da mobilidade. Cheguei a me constranger em alguns momentos, pois enquanto o que não estava olhando para o micro mundo da tela de seu celular falava alguma coisa, ninguém olhava para ele. Somente eu. Fui ao limite de testar a situação, de ficar olhando para meu prato de cereais por alguns segundos, para ver se os outros se tocavam, se compadeciam de um de seus colegas estar falando para as paredes. Nada. Depois de uns 20 minutos de angústia, não consegui me conter. Pedi para pararmos, falei que tínhamos que recomeçar a reunião (até pelo tema que estávamos discutindo para minha palestra), uma nova onde todos estivessem presentes.

Mobilidade e tecnologia são bênçãos para a produtividade e para ações emergenciais, em que precisamos ser rápidos e quase just-in-time. Mas é preciso ter limites. Hoje em dia, puxamos o celular em momentos absolutamente inadequados, como em reuniões, refeições e até no banheiro (um consultor amigo meu diz que o celular invadiu – eca – até nossos hábitos fisiológicos…).

O vício é tão grande que os americanos criaram um jogo chamado Phone Stacking(empilhamento de telefone). Basicamente, consiste no ato de todos que se sentam para uma refeição, comemoração ou bate-papo, colocam seus celulares numa pilha no meio da mesa. Ninguém pode pegar seu celular, por nada. Não vale atender ligação, espiar para checar e-mail, ver se chegou alguma SMS, bisbilhotar o Facebook  ou abrir rapidinho aquele aplicativo irresistível. Não se pode tocar no próprio celular. Quem não aguentar, pega seu celular, mas paga a conta da mesa. Se todos sobreviverem à crise de abstinência, a conta é dividida normalmente. E como mencionei em outro texto, já existem programas de detech (detox de tecnologia): hotéis e resorts em que profissionais se internam e no check-in, tem seussmartphones, notebooks, tablets e qualquer outro tipo de gadget eletrônicoconfiscado. Passados 2 dias de abstinência (por vezes séria, pois alguns locais não oferecem sequer TV no quarto, o que requer acompanhamento psicológico em alguns casos limítrofes), os pacientes começam a conversar de novo, rever a vida, apreciar paisagens e olhar para dentro de si mesmos.

Há, ainda, o lado da (falta de) atenção. Salvo algumas raras exceções, normalmente representadas pelas mulheres (que tem uma parabólica especial de nascença), via de regra as pessoas não conseguem prestar atenção efetiva a duas coisas ao mesmo tempo. Talvez os representantes da geração Y já consigam, mas nós executivos adultos, nascidos no século passado, não viemos com este chip. E o que isso causa? Bem, falta de atenção significa menor concentração no assunto analisado ou discutido, o que pode causar superficialidade, subaproveitamento do potencial pleno de discussão do grupo, baixa produtividade. Ou seja, paradoxalmente, quando estamos tentando acessar nossos e-mails ao mesmo tempo em que estamos numa reunião, nos tornamos pouco profissionais, improdutivos, infiéis ou descomprometidos à nossa determinação de fazer o melhor trabalho possível.  Quem sai perdendo? Nós mesmos e a empresa. Muito se fala do princípio da escuta ativa ou escuta eficaz, da importância da comunicação nas relações entre times e profissionais. Pois bem, comecemos este processo tirando os olhos, dedos e cérebro de uma tela de 3 x 3 que insistimos em sacar a cada 5 minutos de nosso bolso…

E a falta de educação? Simples assim. Falta de respeito, de cordialidade, de mínimo senso de relações sociais. Isso é o resultado do uso inadequado do celular, dentro e fora do trabalho. Reuniões em que um fala e quase ninguém presta atenção. Palestras em que deixamos de estar no escritório para aprender sobre um tema novo, abrir a cabeça, renovar ou questionar pontos de vista e que, depois de 2 minutos do inicio, puxamos o celular no silencioso e ficamos checando e-mail, vendo os preços de ações ou simplesmente checando o status dos amigos no Facebook… enquanto o palestrante está ali na frente, como num filme de cinema mudo. Um conhecido meu, presidente de uma grande agência de comunicação, me contou que recentemente parou sua fala no meio, na frente de um cliente, pois tanto o cliente como o pessoal da agência insistia em ficar olhando para seus celulares. Disse ele: – Vou parar de falar agora, pois vejo que minhas palavras não tem importância, ou são menos importantes do que o que quer vocês todos não param de olhar em seus celulares. Em 10 segundos, todos haviam guardado seus aparelhos, e a reunião aconteceu (começou) de forma produtiva como devia ser. Não posso deixar de mencionar também os profissionais que vão para as reuniões (já trabalhei com vários deles) e que fingem anotar observações sobre o que está sendo discutido, mas na verdade estão tentando colocar seus e-mails em dia, ou dando (tentando dar) conta de outras pendências.

Não tem desculpa: se você está tendo que acessar seus e-mails em horas que não devia, e ainda pelo celular, tem alguma coisa errada. Ou você não está sendo produtivo no seu trabalho, ou está desorganizado, ou está com excesso de coisas para fazer (mas não é numa tela de celular, ou por alguns minutos de tentativa devida dupla que vai conseguir resolver o problema). Excesso de trabalho, falta de tempo, de organização ou de produtividade. Nada disso justifica a falta de educação de se puxar o celular no meio de uma reunião ou encontro de pessoas/profissionais. Este ato, ou hábito, é sinal de desrespeito, pois declara que o assunto de uma tela de 3×3 é mais importante do que o que está sendo discutido na vida real. Prejudica também a comunicação, pois emissor presente e ativo e receptor semi-presente não engajam discussão, troca e superação, seja de informações, opiniões ou análises. Por fim, é um tremendo mau exemplo, pois se um faz (principalmente se for o líder), todos acham que podem fazer. Vira hábito arraigado, cultura, quase política organizacional. É um passo para o expositor ou dono da palavra estar falando para as paredes, ou para seres semipresentes, semiatentos, semiprodutivos, semiprofissionais.

Acho que o processo de salvação começa com a autoconsciência. Preciso mesmo puxar meu celular agora? Por que tenho que olhar minhas mensagens a cada 5 minutos? Por que fico apertando o refresh o tempo todo para ver se entrou alguma mensagem nova? Estou esperando uma mensagem de vida ou morte ou algo crucial para o desenvolvimento da minha carreira? Tenho que reaprender a parar, respirar, analisar meu comportamento automático. Tenho que me dar conta. E me policiar, prestar atenção, combater o excesso, voltar a desenvolver a presença real, ativa, consciente e socialmente adequada nas relações no trabalho.

Sem celular, sem tecnologia.

Pessoas com pessoas, profissionais com profissionais.

Vida real.

Simples e difícil assim.

 

Autor: André Caldeira
Fonte: Exame

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