Artigo – Questão de Respeito

É indisfarçável a crescente dificuldade que se opõe ao exercício da advocacia, em sua plenitude, nas mais diversas instâncias judiciárias. Não raras vezes, o advogado é visto como “um mal a ser tolerado”, tanto por magistrados como por servidores. O tratamento dispensado é normalmente marcado pelo desrespeito. Ou em forma de indiferença, de descaso ou mesmo de hostilidade.

Eduardo A. L. Ferrão

“I have no patience with the complaint that criticism of judicial action involves any lack of respect for the courts. Where the courts deal, as ours do, with great public questions, the only protection against unwise decisions, and even judicial usurpation, is careful scrutiny of their action and fearless comment upont it.” (Chief-Justice STONE)1

É indisfarçável a crescente dificuldade que se opõe ao exercício da advocacia, em sua plenitude, nas mais diversas instâncias judiciárias. Não raras vezes, o advogado é visto como “um mal a ser tolerado”, tanto por magistrados como por servidores. O tratamento dispensado é normalmente marcado pelo desrespeito. Ou em forma de indiferença, de
descaso ou mesmo de hostilidade.

Para os magistrados das instâncias ordinárias, então, salvo honrosas exceções, receber o advogado em audiência é quase um favor. E certamente a mais desagradável de suas tarefas. Afinal, audiências agendadas são frequentemente canceladas, sem prévio aviso, porque Sua Excelência teve que levar o filho ao médico ou a esposa ao dentista. Ou
porque contraiu uma virose e permaneceu em casa, convalescendo.

Nos tribunais superiores, onde antigamente éramos tratados com cortesia, o panorama está mudando. Já na entrada, somos compelidos a passar por detector de metais. No Supremo Tribunal Federal, a revista implica na
retirada do paletó. Com os seguranças atentos a qualquer movimento indevido. Advogados devem abrir as pastas; advogadas, as bolsas. Vale dizer, não merecemos confiança. Passamos por ali quase diariamente, no exercício da profissão, há cerca de trinta anos. E, mesmo assim, com  intensa atuação na Corte bem anterior à posse da maioria de seus integrantes, viramos suspeitos.

Soube que, há poucos dias, um segurança, sob o pretexto de que o plenário estava lotado, tentou barrar o acesso de um conhecido e ilustre colega, que estava com processo na pauta. Achou-se, ainda, o guardião da portaria no direito de advertir o advogado de que deveria ter chegado mais cedo. Ouviu, como resposta, um altivo e sonoro “não lhe devo satisfações”. E não ousou prosseguir no confronto.

Os pedidos de audiência são cada vez atendidos com maior dificuldade. É comum a resposta: “ a agenda do Ministro está lotada até outubro”! Ou “O Ministro não concede audiência para julgamento de embargos declaratórios ou agravo interno”! Ou, ainda, “ Sua Excelência só recebe em audiência advogados em processo do qual seja relator e que já esteja pautado”!

É mesmo?

Já são poucos os que atendem a todos, em dias certos.

É do velho Rui o conselho, na Oração aos Moços:

“Não vos pareçais com esses outros juízes, que, com tabuleta de escrupulosos, imaginam em risco a sua boa fama, se não evitarem o contato dos pleiteantes, recebendo-os com má sombra, em lugar de os ouvir a todos com desprevenção, doçura e serenidade.”

O que os responsáveis por estas cancelas, por estes constrangimentos e por estas desconsiderações ignoram é que não estamos ali por prazer, por diletantismo, por força de um processo licitatório 2 (do qual o concurso público é uma modalidade), de uma injunção política ou de uma canetada de um chefe circunstancial do poder executivo. Ali comparecemos por força de um mandato que nos foi outorgado por um jurisdicionado, que é a razão de existir de toda aquela engrenagem e de todo aquele aparato. Jurisdicionado que, em última análise é “povo”, de quem emana “todo o poder”. E de quem todos os funcionários públicos, sem exceção, temporários, estáveis ou vitalícios, são “servidores”.

A distância entre a toga e a beca é horizontal e meramente topográfica.

Jamais vertical.

Numa sociedade livre, republicana e sem imperadores, o respeito norteador das relações repousa na reciprocidade.

Portanto, os advogados não devem respeito a quem os desrespeita.

Respeitar sem reciprocidade é subserviência.
Servilismo.
Bajulação.
Vassalagem.
Noções incompatíveis com a advocacia.

 

Apud ALIOMAR BALEEIRO, in “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, Forense, prefácio da
2ª edição, 1959.

2 Depois da licitação, a empreiteira vencedora assina contrato; o concursando aprovado toma posse.

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