Auxílio-mudança para senadores e deputados: aspectos relevantes a se considerar

por J. U. Jacoby Fernandes

Após a imprensa brasileira noticiar, ao final do ano passado, os valores gastos pelo legislativo federal com o pagamento de auxílio-mudança a parlamentares que foram eleitos para a nova legislatura e aqueles que deixaram o parlamento no final de 2018, uma onda de discussões invadiu as redes sociais, questionando a relevância de tal auxílio para a atividade dos senadores e deputados.

O recurso é previsto no Decreto Legislativo nº 276/2014, que estabelece: “é devida aos membros do Congresso Nacional, no início e no final do mandato, ajuda de custo equivalente ao valor do subsídio, destinada a compensar as despesas com mudança e transporte”. O clamor social pela moralidade pública e a necessidade de um ajuste nas contas governamentais para o reequilíbrio fiscal promove, diante de tal informação, comentários que, muitas vezes, não levam em conta o direito legítimo tutelado nas normas.

Este entendimento difuso culmina, por exemplo, no Projeto de Decreto Legislativo nº 17/2019, protocolizado no Senado Federal no último dia 7 de fevereiro e que propõe a extinção da ajuda de custo. Na justificação da proposta, o senador Flávio Arns, autor do projeto, argumenta:

Nós parlamentares temos pela frente uma grande caminhada em direção à eficiência e ao barateamento da máquina pública e não há nada mais justo, que nós próprios, colaboremos neste momento, eliminando um gasto considerável do orçamento público do Poder Legislativo. É com o intuito de colaborar com o equilíbrio das contas públicas do Brasil, que rogo aos pares o necessário apoio para a aprovação desta medida, que reputo como de grande significado.1

Embora não haja oposição aos argumentos levantados pelo senador, há algumas questões que a simples visão destacada não leva em conta e a ciência do Direito, em especial o Direito Administrativo, deve analisar por meio de seus operadores. O recurso pago destina-se à instalação do parlamentar que chega à Capital Federal para prestar seu serviço à sociedade. Também o servidor público, ao ser transferido no interesse da Administração ou ao assumir cargo de confiança em Brasília, recebe auxílio para a sua mudança ou ressarcimento dos gastos realizados.

Não é correto supor que todo senador e, principalmente, todo deputado eleito é proveniente de segmentos abastados da sociedade. O deputado é eleito para representar o povo brasileiro e, como tal, deve provir de todos os campos sociais.

Há situações em que o parlamentar não possui condições para arcar com esta mudança no início do seu mandato. Ainda que estes casos sejam minoria, não se deve crer que não existam. Sob o argumento da austeridade fiscal, em tais situações, prejudica-se aqueles parlamentares mais carentes.

O controle na mão da sociedade

Os parlamentares eleitos têm o dever moral e funcional de prestar contas de seus atos a toda a sociedade. O eleitorado deve ser encarado como cidadãos inteligentes, dotados de capacidade de discernimento. Nesse contexto, cabe a eles avaliar o uso que está sendo feito dos recursos repassados.

Após a repercussão negativa das notícias sobre o auxílio, alguns deputados prontamente foram à público afirmar que abririam mão dos recursos. Uma atuação nobre, mas que demonstra que efetivamente estes parlamentares não precisavam do recurso. E seus eleitores, certamente, também sabiam que os valores não fariam falta a estes senadores e deputados.

Aqueles, entretanto, que precisam dos recursos, deveriam ter direito ao acesso e justificar aos seus eleitores a razão de estarem utilizando. A transparência deve ser o cerne desta atuação. Os eleitores devem ser cada vez mais estimulados a acompanhar a atuação de seus parlamentares e os eleitos devem cada vez mais construir uma cultura de transparência e prestação de contas à sociedade. Punir os mais fracos, invariavelmente, fortalece aqueles que possuem mais poder, seja ele econômico ou político.

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1 SENADO FEDERAL. Projeto de Decreto Legislativo nº 17, de 2019. Autor: senador Flávio Arns. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/135113. Acesso em: 13 fev. 2019.