por J. U. Jacoby Fernandes
Os tribunais de contas utilizam o termo competência tanto como limite da jurisdição, quanto relacionado às atribuições de cunho meramente administrativo, equivalendo, nesse caso, à ação de controle sem qualquer definitividade em seus julgamentos. Verifica-se em estudo sistemático das constituições brasileiras que o legislador constituinte teve o cuidado de distinguir com precisão os termos quando tratou da competência de órgãos e agentes.
Em especial, cabe registrar o zelo no emprego das expressões julgar, apreciar, analisar e verificar no que se refere aos tribunais de contas. O rol de atribuições expressamente denominadas pelo constituinte de competências inclui esses precisos verbos, indicativos de ações distintas, com consequências diversas. Apenas quando emprega o termo julgar é que o constituinte estaria se referindo ao limite da jurisdição, para excluir a competência de qualquer outro órgão do Poder Judiciário; nos demais casos, a competência diz respeito à possibilidade de ser apreciada determinada questão e definido, no âmbito administrativo, qual é o direito aplicável.
Embora seja instituição secular, os limites de atuação dos tribunais de contas ainda não se firmaram com precisão no quadrante constitucional. Aos poucos, manifestações do Legislativo e do próprio Judiciário vão estabelecendo as balizas de atuação das cortes de contas. No ano de 2016, por exemplo, o STF suspendeu1 decisão do Tribunal de Contas da União – TCU que bloqueou bens de empresa suspeita de superfaturamento em contratos púbicos. A Corte de Contas determinou a indisponibilidade dos bens com base em Lei Orgânica do próprio Tribunal, que dispõe:
Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.
[…]
O relator do processo, ministro Marco Aurélio, entendeu que o TCU não tem competência para pedir a indisponibilidade dos bens contra terceiros, devendo aplicar medidas ao servidor público responsável pela contratação. A amplitude da possibilidade de indisponibilidade dos bens, inclusive, é tema de particular análise pelas cortes de contas. Recentemente, um novo acórdão do TCU tratou do tema no seguinte sentido:
Não é possível ao TCU decretar medida cautelar de indisponibilidade de bens (art. 44, § 2º, da Lei 8.443/1992) de empresa em situação de recuperação judicial, em razão da indivisibilidade e da universalidade do juízo de recuperação judicial (Lei 11.101/2005), que tem competência exclusiva para promover medidas constritivas do patrimônio de empresa submetida a esse regime e para o qual, se for o caso, devem ser encaminhados, por intermédio da AGU, os pedidos de bloqueio de bens formulados pelo Tribunal para assegurar o ressarcimento dos danos ao erário em apuração.2
Em tal situação, a competência da Corte de Contas está prejudicada por já haver um procedimento de recuperação judicial em curso e o juízo da recuperação deter a competência para a constrição dos bens. O acórdão é, inclusive, didático ao estabelecer o caminho que deve ser percorrido pela Corte de Contas para garantir a indisponibilidade dos bens e posterior ressarcimento ao erário.
1 STF. MS nº 34.357. Relator: ministro Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MS34357.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
2 TCU. Processo nº 036.132/2016-0. Acórdão nº 1.982/2018 – Plenário. Relator: ministro André de Carvalho.