por J. U. Jacoby Fernandes
No Informativo Fórum-Jacoby de ontem, comentou-se, com o devido destaque, a publicação da Lei nº 13.726, de 8 de outubro de 2018, instituída com o objetivo de racionalizar atos e procedimentos administrativos dos poderes das três esferas da República mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude. A norma, decorrente do Projeto de Lei do Senado Federal nº 214/2014, é mais um passo rumo à efetivação da cidadania por meio da redução da burocracia na Administração Pública.
O projeto foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal no início de setembro deste ano e aguardava sanção presidencial. A ideia normativa parte da premissa de que os cidadãos devem ter suas alegações reconhecidas, apenas sendo a demanda impedida de prosseguimento em casos específicos. Na sanção, porém, alguns pontos foram vetados no texto original. O art. 2º da norma, por exemplo, foi suprimido. O texto previa:
Art. 2º Os órgãos e entidades da administração direta e indireta da União, em todos os Poderes, observarão em sua relação com o cidadão os seguintes princípios:
I – presunção de boa fé;
II – presunção de veracidade, até prova em contrário;
III – redução dos custos da Administração Pública;
IV – racionalização e simplificação dos métodos de controle;
V – supressão das exigências cujos custos econômicos ou sociais superem os riscos existentes;
VI – implementação de soluções tecnológicas que simplifiquem o atendimento ao cidadão;
VII – substituição do controle prévio de processos pelo controle posterior para identificação de fraudes e correção de falhas.1
Em momento anterior à sanção, a Advocacia-Geral da União – AGU manifestou-se sobre o conteúdo do art. 2º, informando que a temática já estava disciplinada, e de forma mais adequada, pela Lei nº 13.460, de 2017. Destacou, ainda, que o mesmo assunto não pode ser disciplinado por mais de uma lei, sob pena de ofender a segurança jurídica e a harmonia sistemática do ordenamento jurídico.
Sob esse aspecto, é sempre bom lembrar que a vida de todos os cidadãos poderia ser melhorada substancialmente se o Congresso Nacional cumprisse a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. Essa norma determina que cada assunto seja tratado em uma só lei.
A lei mencionada pela AGU como razão para veto – Lei nº 13.460, de 2017 – foi aquela que instituiu o código de proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos. Efetivamente, a norma regula o tema de maneira ainda mais ampla, nos seguintes termos:
Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
I – urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários;
II – presunção de boa-fé do usuário;
III – atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo;
IV – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação;
V – igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação;
VI – cumprimento de prazos e normas procedimentais;
VII – definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário;
VIII – adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários;
IX – autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade;
X – manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento;
XI – eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;
XII – observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes públicos;
XIII – aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;
XIV – utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e
XV – vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.2
O rol é extenso e, embora trate o tema como diretrizes e não como princípios, podendo haver questionamentos terminológicos, semanticamente se destinam a identificar os valores a serem adotados no momento da prestação dos serviços públicos. Nesses termos, atuam na regulação do mesmo universo normativo.
Outro importante ponto vetado pelo presidente da República refere-se ao prazo para a norma passar a vigorar em todo o território nacional. O texto original previa a entrada em vigor no dia da publicação da norma. O artigo, porém, foi vetado, não se estabelecendo prazo para tal.
O veto foi solicitado pela Casa Civil da Presidência da República, que destacou que a norma possui amplo alcance, pois afeta a relação dos cidadãos com o Poder Público, em seus atos e procedimentos administrativos. “Sempre que a norma possua grande repercussão, deverá ter sua vigência iniciada em prazo que permita sua divulgação e conhecimento, bem como a necessária adaptação de processos e sistemas de trabalho”, destacou nas razões do veto.
Não se estabelecendo prazo definido, a vigência rege-se pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Lei nº 4.657/1942 –, que fixa: “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
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1 BRASIL. Projeto de Lei do Senado n° 214, de 2014. Autor: senador Armando Monteiro. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/118101>. Acesso em: 10 out. 2018.
2 BRASIL. Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 jun. 2017. Seção 1, p. 04-05.