
J. U. Jacoby Fernandes
A Fundação Getúlio Vargas – FGV, uma das principais instituições de ensino nacional, que possui, em seus quadros, importantes e reconhecidos pesquisadores, publicou recentemente o estudo “Diagnóstico institucional: primeiros passos para um plano nacional anticorrupção”, sob a coordenação dos professores Michael Freitas Mohallem e Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo. A pesquisa foi desenvolvida em parceria com o Ministério da Justiça e foi selecionada para receber financiamento do Prosperity Fund, do Foreign and Commonwealth Office, do Reino Unido.
Conforme explicam os idealizadores, o projeto visa dar ao governo brasileiro instrumentos diferentes para ampliar a luta contra a corrupção, impactando de maneira eficiente os debates nacionais, além de contribuir para os esforços de minimização da corrupção no Brasil. Para tanto, utilizaram a experiência de combate à corrupção no Reino Unido como paradigma para avaliar a situação brasileira. O Reino Unido foi pioneiro na criação do UK Anti-Corruption Plan, instrumento por meio do qual são planejadas todas as ações que serão desenvolvidas pelos órgãos encarregados de combater a corrupção.
Além dos resultados apresentados, as avaliações realizadas para o embasamento de um eventual plano brasileiro anticorrupção são muito interessantes. Nessa perspectiva, os profissionais buscaram fazer um estudo sobre a evolução da legislação brasileira contra a corrupção; a investigação e julgamento dos crimes de corrupção no Brasil e a transparência em contas públicas; entre outros temas.
No informativo Fórum de hoje e na edição e amanhã, traremos alguns pontos relevantes desse estudo para o aperfeiçoamento da Gestão Pública Brasileira.
Tribunais de contas e combate à corrupção
O estudo da FGV, ao analisar todos os órgãos envolvidos nas atividades inerentes ao combate à corrupção, presta especial atenção à atividade dos tribunais de contas, apontando a evolução legislativa, a ampliação das competências das cortes de contas e os pontos que poderiam ser melhorados para uma atuação mais efetiva.
Entre os pontos observados, cabe destacar a transparência das informações nos portais dos tribunais. Isso porque apenas com informações transparentes será possível desenvolver uma atividade de controle social efetivo. O estudo destaca que “a falta de dados nos sites dos governos e a falta de respostas precisas a pedidos de informação confirmam e aprofundam o debate sobre a corrupção: nem todos os mecanismos de controle estão funcionando”.
Embora o estudo faça a ressalva de que já era esperada uma menor disponibilidade de informações nos portais dos tribunais de contas, tendo em vista que não possuem obrigações de transparência em relação a dados de terceiros, algumas iniciativas foram destacadas:
Entre os casos positivos estão os dos portais do Tribunal dos Municípios do Ceará (TCM-CE), o Tribunal de Contas Estaduais do Maranhão (TCE-MA) e de Tocantins (TCE-TO). O portal de licitações do TCE-MA possui visualização intuitiva dos dados e, inclusive, fornece o status de envio de documentos da prefeitura ao TCE. Isto significa que se a prefeitura não mantém em dia suas obrigações de transparência junto ao Tribunal de Contas, também está sujeita ao controle social. Já o portal de licitações indicado no TCE-AC possui o mesmo banco de dados de licitações da prefeitura e é bastante completo.
O estudo destaca, ainda, que há casos de portais completos e intuitivos que estão escondidos do público, seja por dificuldade de se encontrar indicação deles no site ou pela utilização de siglas que impedem o reconhecimento imediato do conteúdo pelos cidadãos. Apenas seis tribunais de contas, contudo, apresentam ao menos 80% das informações essenciais mínimas. O estudo pode servir de base para as cortes de contas do País na formulação de uma nova versão de seus portais, com vistas a garantir maior transparência e ampliar o poder do controle social.
Outro ponto de atenção foi a avaliação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA, instituída no Brasil em 2003, sob a coordenação do Ministério da Justiça. A ENCCLA é formada por órgãos dos três poderes da República, ministérios públicos e da sociedade civil que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. “A Estratégia intensifica a prevenção a esses crimes porque soma a expertise de diversos parceiros em prol do Estado brasileiro”, destaca texto de apresentação da estratégia.
Desenvolvimento da estratégia de combate à corrupção
Ao longo do tempo, a ENCCLA apresentou crescimento no número de participantes, o que poderia promover uma série de atividades para o desenvolvimento do combate. Destacam os pesquisadores: “de um lado, isso denota a crescente importância da Estratégia como fórum de discussão e tomada de decisões, assim como uma maior diversidade de vozes que a integram. De outro, surgem inerentes dificuldades de coordenação, agravadas pelas limitações materiais e de pessoal da sua secretaria executiva”.
Não escapa aos olhos dos pesquisadores, porém, que as diversas ações pretendidas para 2017 se referem ao desenvolvimento de mecanismos de cooperação e integração entre os diversos órgãos. Isso porque talvez já seja claro que o grande entrave para o desenvolvimento do sistema é justamente a inter-relação entre os órgãos participantes.
O estudo, porém, reconhece como um dos maiores sucessos da ENCCLA, nos últimos 13 anos, a criação do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – PNLD, reforçando a ideia de que a melhor forma de desenvolver políticas públicas de excelência é capacitando os servidores para melhor atender à sociedade.
Arcabouço legislativo brasileiro
Outro objeto de avaliação da pesquisa é o arcabouço legal existente no ordenamento jurídico brasileiro para o combate à corrupção. Assim, conclui:
Embora, como visto, o Brasil já possua uma estrutura legislativa bastante sofisticada de combate à corrupção, é possível, a partir da experiência internacional, vislumbrar que existe espaço para complementação, o que depende de estudos mais aprofundados a serem desenvolvidos para os seguintes temas: (i) sistemas de proteção ao denunciante cidadão (whistleblower), nos âmbitos públicos e privados; (ii) regulamentação (e/ou registro) da atividade de lobby; e (iii) responsabilização da corrupção no setor privado.
Os autores destacam que quando o assunto é esquemas de corrupção, o que já se percebeu é que, quanto mais se descobre, mais se há a descobrir. “O foco quase que exclusivo no nível federal encobre, ainda, a realidade dos níveis estadual e municipal, onde os mecanismos de controle são ainda mais frágeis”, explica. Por fim, pontua: “apesar das alterações legislativas recentes, fica claro que há espaço para melhorias nos mecanismos institucionais necessários para garantir a sua efetiva implementação”.
1 MOHALLEM, Michael Freitas; RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Diagnóstico institucional: primeiros passos para um plano nacional anticorrupção. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2017. 159 p.