por J. U. Jacoby Fernandes
Recentemente, as novas regras de indulto publicadas pelo Governo foram restringidas pelo Supremo Tribunal Federal – STF. O indulto é um ato administrativo, com efeitos judiciais, privativo do chefe do Poder Executivo. É o perdão da pena para condenados pela prática de crime.
Para o Direito Administrativo, o primeiro elemento de validade implica o exame da competência para a prática do ato. Nesse caso, o tema é regulado pela própria Constituição Federal, nos seguintes termos: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […] XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
Novamente, portanto, o STF, a partir de ação proposta pelo Ministério Público, decide sobre o controle de legalidade do ato.
Ao analisar a ação da PGR, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, acolheu os argumentos apresentados por Raquel Dodge e suspendeu os seguintes pontos questionados no processo:
Para a DPU, a medida foi desproporcional, pois os crimes sem ameaça ou violência abrangem um universo de delitos que vão muito além dos crimes de corrupção. “Por exemplo, os delitos de moeda falsa, descaminho, infrações ambientais, deserção, delitos contra a honra, entre inúmeros outros que não se confundem, nem de longe, com crimes graves como aqueles apurados no âmbito da ‘Operação Lava Jato’ e de outras operações contra a corrupção sistêmica”, destaca a defensoria. Quem praticou furto, por exemplo, também fica desemparado agora pela suspensão².
Percebe-se que o assunto está tendo tratamento político, impróprio ao adequado debate jurídico. Explicando: em se tratando de ato de competência privativa, o controle de legalidade há de ser extremamente restrito, visando à preservação de equilíbrio entre poderes.
Muito apropriada é a lição do ministro Marco Aurélio:
A aparente moralidade pública, a convidativa vitrine do interesse público, no que envolvidas verbas de idêntica natureza, não se sobrepõem à liberdade e esta fica ferida de morte quando há o atropelo da organicidade do Direito, buscando-se, de uma hora para outra, a correção de rumo, a satisfação devida à sociedade, pouco importando que os meios utilizados desbordem do arcabouço normativo, elemento inafastável quando se fala em segurança jurídica. Situações irregulares hão de merecer glosa, mas sem abandono dos parâmetros próprios, dos princípios estabelecidos, das regras enunciadas nos diplomas de regência, alfim, dos meios reveladores do Direito.³
O tema ainda assume relevância no momento em que o Judiciário já está assoberbado com 100 milhões de processos em tramitação – isso mesmo, mais de 100.000.000. Esse mesmo poder mantém em cativeiro mais de 700.000 presos, estimando-se que 250.000 ainda estejam aguardando julgamento. Dispensa outros comentários o fato notório da superlotação carcerária.
Portanto, dirigindo o poder responsável pela gestão prisional, o presidente da República estava no exercício indiscutível de competência privativa contribuindo para reduzir, em parte, o problema. Por isso mesmo é que o controle da legalidade merece cautela nos atos de competência administrativa e diante da teoria da separação de poderes.
1 Entenda a polêmica do indulto de Natal editado por Temer. Portal G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/entenda-a-polemica-do-indulto-de-natal-editado-por-temer.ghtml>. Acesso em: 02 jan. 2018
2 Defensoria Pública da União critica parte da suspensão do indulto de Natal. Portal Estadão. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/defensoria-publica-da-uniao-critica-parte-da-suspensao-do-indulto-de-natal/>. Acesso em 02 jan. 2018.
3 STF. MS nº 23560. Relator: ministro Marco Aurélio. Julgado em: 29.10.1999.