Os tribunais de contas são órgãos criados com previsão constitucional e responsáveis por auxiliar o Poder Legislativo nas ações de controle externo. O art. 71 do texto constitucional elenca as competências do Tribunal de Contas da União e, em razão da previsão do art. 75, aplicam-se, no que couber à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
Também está inscrito na Constituição Federal, no art. 93, que “O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96”. Assim sendo, é importante observar as previsões do dispositivo mencionado.
Art. 96. Compete privativamente:
[…]
II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
[…]
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
É desta previsão constitucional que decorre os conceitos de autonomia e autogoverno dos tribunais de contas. As cortes de contas, assim, possuem autonomia legislativa para realizar a organização interna da Corte e o funcionamento dos órgãos administrativos que a as compõem. Por força do art. 75 acima mencionado, a competência para o autogoverno também existe para os tribunais de contas dos estados e dos municípios.
No ano de 1994, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre o tema ao analisar edital de concurso público para provimento dos cargos de procurador e subprocurador geral do Ministério Público. A Corte fixou:
O Ministério Público junto ao TCU não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (art. 130), encontra-se consolidado na “intimidade estrutural” dessa Corte de Contas, que se acha investida – até mesmo em função do poder de autogoverno que lhe confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) – da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente a sua organização, a sua estruturação interna, a definição do seu quadro de pessoal e a criação dos cargos respectivos. – Só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada a sua edição por norma constitucional explícita.1
A prerrogativa de autogoverno e autonomia das cortes de contas voltou à análise do STF, desta vez por ocasião do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre Lei Complementar 142/2011 do Estado do Rio de Janeiro, de origem parlamentar, que visava alterar diversos dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. O STF assim destacou:
As Cortes de Contas do país, conforme reconhecido pela Constituição de 1988 e por esta Suprema Corte, gozam das prerrogativas da autonomia e do autogoverno, o que inclui, essencialmente, a iniciativa privativa para instaurar processo legislativo que pretenda alterar sua organização e funcionamento, como resulta da interpretação lógico-sistemática dos artigos 73, 75 e 96, II, d, da Constituição Federal. Precedentes.
O ultraje à prerrogativa de instaurar o processo legislativo privativo traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência indubitavelmente reflete hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente concretizado. Precedentes.2
Assim, o STF julgou inconstitucional a norma fluminense e reforçou as prerrogativas destacadas.
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1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 789-1. Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil: Seção 1, Brasília, DF, p. 35.180, 19 dez. 1994.
2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.643. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 157, nº 122, p. 01, 27 jun. 2019.
Por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes