Por Ana Luiza Q. M. Jacoby Fernandes*
O Senado aprovou o novo marco legal do saneamento básico. Trata-se do projeto de lei 4.162/2019.
Importante mencionar que, em que pese a ampla gama de modificações advindas do projeto, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, permanece em vigor. Com a sanção do projeto, artigos específicos serão alterados.
Um dos grandes destaques da futura lei é a ampliação da participação de empresas privadas, seja pela privatização ou pelas concessões.
Até agora, é permitido aos entes federados contratar diretamente empresas estatais sem licitação. A partir de agora, ficam obrigados a realizar uma concorrência aberta a empresas privadas. O marco legal, se sancionado, determina a “livre concorrência” entre as empresas que prestam serviço de saneamento – estatais ou não.
Hoje, a participação de empresas privadas no setor é de apenas 6% em relação ao abastecimento de água e 12% aos serviços de esgoto. Nos demais setores da infraestrutura brasileira, a participação do privado já alcança 65%.[1]
A previsão financeira para a universalização do saneamento chega a R$ 700 bilhões até 2033, com uma média de R$ 53 bilhões anuais. Nosso histórico, nas últimas décadas, alcançou recursos de, no máximo, R$ 15 bilhões por ano. Os investimentos necessários têm permanecido aquém de todos os prazos planejados, por isso, a participação do setor privado é essencial para que possamos superar o déficit de infraestrutura e prestação de serviços neste setor.
Os impactos do COVID-19 no Brasil, evidenciaram ainda mais a situação precária do país em relação ao saneamento básico. Mais do que máscaras e álcool, de primeira necessidade são água tratada e esgoto, é o que diz a OMS ao afirmar “que o saneamento básico é essencial para a proteção da saúde humana nessa época de pandemia”.[2]
O relatório A World At Risk (Um mundo em risco) mostra que a falta de água tratada e de saneamento básico favorecem a rápida circulação de vírus letais em todo o mundo.[3]
Críticas à participação privada
A participação de empresas privadas no setor é vista com maus olhos pelos opositores à alteração do marco legal. As principais críticas são:
a) o movimento contrário de cidades em alguns países, à exemplo de Berlim, Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique) e La Paz que encamparam as concessões, retomando a prestação de serviços diretamente pelo Estado;
b) o privado, no sistema capitalista, busca o lucro – por isso sempre vai querer reduzir custos e consequentemente diminuir a qualidade da prestação de serviços;
c) o privado não terá interesse nos locais com poucos recursos;
d) corrupção.
De forma suscinta, essas críticas são facilmente rebatidas por instrumentos já existentes em nosso ordenamento jurídico:
a) da mesma forma que existem países, dentre eles alguns desenvolvidos, assumindo a prestação do serviço, existem outros privatizando, à exemplo do Canadá, Chile, Estados Unidos, Japão, México e Inglaterra. Outro fator que justifica a escolha brasileira por este modal é que, diferentemente dos países desenvolvidos, além das dimensões continentais do Brasil, é inviável para o Poder Público angariar investimentos no montante necessário sozinho.
b) a TIR – Taxa Interna de Retorno utilizada nas concessões brasileiras é a taxa que calcula a margem do lucro das empresas. É definida no momento da apresentação da proposta. Ocorre que, havendo fatores externos imprevistos, a TIR será alterada. Portanto, impede que o privado tenha lucros abusivos. Outra questão, já prevista em nosso ordenamento, é a aferição da qualidade da prestação do serviço, inclusive, como condicionante para continuidade dos contratos. Importante registrar que nesse setor, já existe uma agência reguladora que tem por finalidade, precisamente, garantir a qualidade dos serviços, que é a Agencia Nacional de Águas – ANA.
c) para essa questão existem algumas possibilidades, uma delas à exemplo das concessões de aeroportos é o subsídio cruzado, já previsto na Lei nº 11.445/ 2007. Outra possibilidade é que os recursos angariados com a privatização de locais rentáveis sejam utilizados para a prestação do serviço em locais não rentáveis, à exemplo do estado de Tocantins que, com os royalties da privatização, a autarquia SANEATINS consegue subsídios para fornecer água e esgoto para os locais não rentáveis.
d) a corrupção ocorre independente do contratante; as empresas estatais de saneamento já foram alvo de duras críticas e, ano passado, foi constatado que seu custo é maior do que os investimentos.[4]
O setor de saneamento é altamente regulado e o advento da alteração do marco regulatório prevê metas de expansão dos serviços, de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional. A participação do privado será, portanto, essencial para que possamos cumprir as metas de universalização e melhorar as condições de saneamento no Brasil.
*Diretora Administrativa da Jacoby Fernandes e Reolon Advogados Associados, advogada, mestranda em Direito Administrativo pela PUC-SP, pós-graduada em Direito Administrativo pelo IDP e em Administração de Empresas pela FGV. http://lattes.cnpq.br/0961764052147077, analuiza.jacoby@jacoby.adv.br .
[1] Estudos sobre perspectivas do investimento em infraestrutura, publicado pela InterB em 2019.
[2] Organização Mundial da Saúde (World Health Organization). Hygiene – UN-Water GLAAS findings on national policies, plans, targets and finance, 23 april 2020. Disponível em: < https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/332267/9789240006751-eng.pdf?ua=1>. Acesso em 25 de maio de 2020.
[3] Organização Mundial da Saúde (World Health Organization).https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_report/GPMB_Annual_Report_English.pdf
[4] ESTATAIS de água e esgoto gastam mais com salário do que na expansão das redes. O globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/estatais-de-agua-esgoto-gastam-mais-com-salario-do-que-na-expansao-das-redes-23885366. Acesso em: 26 jun. 2020.
Fonte: https://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-o-novo-marco-regulatorio-do-saneamento-e-a-participacao-do-setor-privado/
Acesso em: 06/07/2020 às 11h01