Perceba que a resposta à consulta prevista como atribuição da Corte de Contas não se refere apenas a responder a uma indagação, mas engloba a fixação de uma tese jurídica a ser seguida pelo gestor no momento da execução das políticas públicas.
por J. U. Jacoby Fernandes
Na esteira das numerosas críticas que sofre o Projeto de Lei nº 7448/2017, aprovado no Congresso Nacional e pronto para a sanção do Presidente da República, um importante instituto jurídico estabelecido no projeto é visto com certa desconfiança por aqueles que se posicionam contrários ao texto legal. Trata-se da Ação Declaratória do Ato Administrativo. Tal desconfiança, porém, parece ser fruto de um entendimento limitado do instituto, não o observando à luz de uma visão sistêmica, integrando conceitos já existentes nas normas que regem os próprios órgãos de controle.
O texto do PL nº 7448/2017 dispõe:
Art. 25. Quando necessário por razões de segurança jurídica de interesse geral, o ente poderá propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença fará coisa julgada com eficácia erga omnes.
§ 1º A ação de que trata o caput será processada conforme o rito aplicável à ação civil pública.
§ 2º O Ministério Público será citado para a ação, podendo abster-se, contestar ou aderir ao pedido.
§ 3º A declaração de validade poderá abranger a adequação e a economicidade dos preços ou valores previstos no ato, contrato ou ajuste.
Ao se deparar com a leitura do conteúdo normativo, os representantes dos órgãos de controle alegam que o dispositivo é capaz de afastar da Corte de Contas a atividade de verificação dos atos, impossibilitando-o de exercer a função institucional que lhe é atribuída pelo texto constitucional. O que se esquecem, porém, é que o controle prévio dos atos já é uma possibilidade dentro do próprio Tribunal de Contas da União.
Prevê o regimento interno da Corte:
Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei:
[…]
XVII – decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no Regimento Interno.
§ 1° No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá sobre a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receitas.
§ 2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.
Perceba que a resposta à consulta prevista como atribuição da Corte de Contas não se refere apenas a responder a uma indagação, mas engloba a fixação de uma tese jurídica a ser seguida pelo gestor no momento da execução das políticas públicas. O Regimento Interno, porém, afasta o “cobertor da impunidade” ao apontar que a resposta constitui prejulgamento de tese, mas não do fato ou caso concreto.
Do mesmo modo, o PL nº 7448 busca garantir que o gestor tenha claro à sua frente o caminho a ser seguido com base em uma análise prévia dos atos administrativos firmados. Obviamente, não se busca afastar a análise dos órgãos de controle quando se identifica irregularidades práticas nos atos concretos. Nessas situações, os órgãos de controle não só podem, como devem analisar tal desvirtuamento, imputando aos responsáveis as sanções cabíveis.
O ponto nevrálgico da norma não é a abertura dos atos para a impunidade, mas a busca por dotar o gestor público da segurança no trato com a res publica. Ao seguir o rito juridicamente tutelado por meio da ação declaratória de validade, o gestor não terá qualquer constrangimento junto aos órgãos de controle, afinal de contas, atua pelo bem público. Caso fuja da legalidade nos atos concretos de execução, exigir-se-á dos julgadores uma ação imediata para o retorno dos atos à legalidade, cumprindo as funções que são inerentes aos cargos que ocupam.
Não há ataque a prerrogativas dos que atuam nos órgãos de controle. Não há retirada de funções ou cerceamento das atribuições inerentes ao Controle, ao Ministério Público ou ao Judiciário. O que o PL nº 7448/2017 busca é a eficiência da gestão pública por meio de uma organização normativa capaz de tornar a atividade dos julgadores mais efetiva para o Estado e para a sociedade.