Separação de Poderes e harmonia entre Executivo e Legislativo

A Constituição Federal de 1988 estabelece, de maneira incontroversa no parágrafo único do art. 1o, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O poder, nesse sentido, é uno e proveniente de todos aqueles que compõem a Nação.

Acompanhando a tendência iluminista, baseada em conceitos filosóficos e doutrinários, para o melhor exercício da administração, o legislador constituinte dividiu o poder estatal em Legislativo, Executivo e Judiciário. Os três independentes e harmônicos, devendo atuar para garantir o interesse público e o bem-estar da sociedade.

Com a divisão do poder, estabeleceu-se um sistema de freios e contrapesos que tem por objetivo manter o equilíbrio entre os três poderes da República. Assim, quando a constitucionalidade de uma lei editada pelo Congresso Nacional é questionada junto ao STF, o sistema de freios e contrapesos está sendo utilizado. Quando o Congresso Nacional rejeita uma Medida Provisória editada pela Presidência da República, também se faz uso deste sistema para conter eventuais abusos de poder. E não se está em situação diversa quando o presidente da República veta uma lei aprovada no Congresso Nacional.

A separação de poderes é cláusula pétrea da nossa Constituição, prevista no art. 60, § 4º, não podendo ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir este modelo. Nesse sentido, é muito importante que as ações que possam ferir preceitos da separação de poderes sejam tomadas com a máxima cautela, de modo a respeitar este importante modelo.

O conceito foi alvo de deliberação do Supremo Tribunal Federal – STF, que tratou de ingerências do Poder Legislativo em matérias de competência normativa exclusiva do poder Executivo. No caso concreto, o STF julgou iniciativa parlamentar que interviu no regime jurídicos de servidores estaduais. Ao analisar o caso, assim fixou o STF:

– O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político-administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes.

Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por ato legislativo, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais.

Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação “ultra vires” do Poder Legislativo, que não pode, em sua condição político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.1

Para o STF, “nem mesmo eventual aquiescência do Chefe do Poder Executivo mediante sanção, expressa ou tácita, do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical”.1 O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei estadual.

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1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.364. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 157, nº 60, p. 01, 28 mar. 2019.