Dentre os pontos questionados na ação está o que permite ao gestor público reduzir a jornada de trabalho e, consequentemente, a remuneração de servidores públicos como medida necessária em momentos de crise financeira.
por Alveni Lisboa
O Supremo Tribunal Federal – STF publicou no Diário Oficial da União de hoje, 16/09, o resultado parcial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238, que trata da inconstitucionalidade de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. Dentre os pontos questionados está o que permite ao gestor público reduzir a jornada de trabalho e, consequentemente, a remuneração de servidores públicos como medida necessária em momentos de crise financeira.
O julgamento foi interrompido ainda sem conclusão em razão da ausência do ministro Celso de Mello. Apesar disso, já foi formada uma posição majoritária dos ministros favoráveis a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 2º do art 23 da LRF. Até o momento, os ministros estão seguindo o voto do ministro Luiz Edson Fachin, que inaugurou a divergência.
A LRF possui mais de 18 anos de vigência. O ponto questionado sempre foi um dos mais polêmicos da norma e, até hoje, não houve uma decisão final do plenário do STF das ADIs 2.256, 2.238, 2.261, 2.365, 2.250 e 2.241 e com a ADPF 24.
O advogado e professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes atenta para a morosidade em decidir sobre essa questão. “Mesmo com o país em crise fiscal e precisando de segurança jurídica, o STF ainda não conseguiu decidir quais dispositivos da LRF são conformes ou contrários à Constituição Federal. Sem dúvida, não faltaram esforços individuais dos ministros, mas o processo, ou seja, o modo como se resolve, é em si anacrônico”, analisa o especialista.
No julgamento do STF, até o momento, foi mantida a atribuição dos entes federativos de instituir e cobrar impostos dos contribuintes. Se o ente da federação não cumprir o dever do art. 11 da LRF, será penalizado e deixará de receber transferência de outro ente da federação.
Assim, estados e municípios que não cobrarem o IPTU dos seus contribuintes poderão ficar sem receber recursos federais, por exemplo.
O STF também decidiu que a Administração Pública não pode trocar servidores efetivos por terceirizados. Também não é permitido colocar terceirizados para atuar nos casos em que a atividade deveria ser realizada por servidor efetivo.
Para Jacoby Fernandes, esse trecho da norma visa evitar que a terceirização de mão-de-obra venha a ser utilizada com a finalidade de alterar o limite de gasto com pessoal. “O dispositivo tem o mérito de erguer um dique à contratação indiscriminada de prestadores de serviço, valorizando o servidor público e o concurso”, explica.
A recomendação do professor é que o gestor estabeleça todas as funções do órgão e crie um plano de carreira e salários para as atividades que devem ser desempenhadas por servidores efetivos. Segundo Jacoby, é necessário elaborar também um plano de terceirização de mão-de-obra para as atividades que for repassar.
“A atividade pública e a função pública não devem estar em dois instrumentos distintos, ou sem definição, sob pena de causar confusão, violar a isonomia e proliferar ações do Ministério Público. Portanto, não é o fato de a atividade ser permanente que leva à terceirização ou não. É a decisão política que, uma vez sendo permanente, decide considerá-la estratégica e essencial para que seja desempenhada por integrante de cargo público de provimento efetivo”, conclui.
Atualmente, a jurisprudência admite o seguinte:
O STF já havia decido que a regra do art. 23 seria parcialmente inconstitucional. Na decisão atual, esse posicionamento está sendo reforçado. É permitido à Administração, para cumprir os limites da LRF, extinguir cargos, mas não pode reduzir a remuneração destes.
Para o STF, a competência da lei complementar, conforme o § 3º do art. 169 da Constituição Federal, está limitada às providências nele indicadas, o que não foi observado nestes casos. A Corte considera, inclusive, que há ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. Medida cautelar foi deferida para suspender, no § 1º do art. 23, a expressão “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos”, e, integralmente, a eficácia do § 2º do referido artigo.
A LRF pretendia que os poderes tivessem as contas unificadas com as do poder executivo e fossem julgadas em conjunto pelo Parlamento. Segundo Jacoby Fernandes, o STF considerou que somente as contas do presidente da República e, por extensão, as do chefe do poder executivo estadual e municipal é que serão julgadas pelo Parlamento.
“As contas anuais do chefe dos poderes judiciário e do legislativo e as contas do Ministério Público serão julgadas como as de ordenadores de despesas em geral, na forma do art. 71, inciso II, da Constituição Federal”, explica.
Para melhor compreender, a LRF estabelece:
Art. 56. As contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo incluirão, além das suas próprias, as dos Presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Chefe do Ministério Público, referidos no art. 20, as quais receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas.
I – da União, pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, consolidando as dos respectivos tribunais;
II – dos Estados, pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça, consolidando as dos demais tribunais.
Art. 57. Os Tribunais de Contas emitirão parecer prévio conclusivo sobre as contas no prazo de sessenta dias do recebimento, se outro não estiver estabelecido nas constituições estaduais ou nas leis orgânicas municipais.
A expressão sublinhada é que foi considerada inconstitucional. Com esse entendimento, sobre a conformidade dessa regra com a Constituição Federal, o STF decidiu que o art. 56 contraria o inc. II do art. 71 da CF, tendo em vista que as contas do Presidente da República deverão ser apreciadas pelo Congresso.
Já o art. 57, segundo Jacoby Fernandes, faz referência a “contas de Poder”. E isso foi compreendido pelo STF de forma específica. “No § 2º do art. 57, há abrangência no termo “contas” constante do caput do artigo, daqueles cálculos decorrentes da atividade financeira dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, que somente poderão ser objeto de julgamento pelo Tribunal de Contas competente (inciso II do art. 71 da Constituição)”, concluir Jorge Ulisses Jacoby Fernandes.