por J. U. Jacoby Fernandes
Hoje, dia 12 de janeiro de 2018, o Brasil, por meio de lei1, dá um passo decisivo ao definir meta de reduzir à metade, no mínimo, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes, ao final do prazo de dez anos.
Caberá aos operadores do Direito, em especial do Direito Administrativo, implementar medidas previstas nas leis, não somente na norma promulgada nesta data, mas também no Código Nacional de Trânsito e outras normas afins.
O mundo
É importante registrar que a decisão do Brasil não é um ato isolado, mas um reflexo de uma meta mundial para reduzir o número de mortes e sequelas decorrentes de acidente de trânsito. A “ONU lançou o programa Década de Ações de Segurança no Trânsito, que reúne mais de 160 países. O objetivo é reduzir pela metade o número de mortes causadas por acidentes entre 2011 e 2020. Segundo a organização, as fatalidades no trânsito estão entre as principais causas de morte de pessoas com idade entre 5 e 44 anos, causando um prejuízo global superior a 500 bilhões de dólares todos os anos”2.
A meta – cujo cumprimento deveria ter sido iniciado pelo Brasil – deveria ter sido lançada em 2011. Mas antes tarde que nunca. Podemos reduzir mais rapidamente e novamente sermos exemplos para o mundo. Adiante, uma sugestão.
O Brasil
O País, conforme dados publicados, coloca-se em quinto lugar com o registro de 47 mil mortes no trânsito por ano, acrescidos de 400 mil pessoas, que ficam com algum tipo de sequela. Estima-se que o custo desse prejuízo, suportado por todos os contribuintes, é de R$ 56 bilhões, de acordo com levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária3.
De 2009 a 2016, por exemplo, o total de óbitos saltou de 19 para 23,4 por 100 mil habitantes. Nessa toada, o País não cumprirá a meta da ONU4 de reduzir pela metade a incidência de acidentes até 2020.
Causas dos acidentes
As estatísticas não são precisas sobre as causas de acidentes, mas algumas merecem mais crédito5 em relação a mortes ocorridas em 2016:
Os tipos de acidente foram assim classificados: colisões frontais responderam por 29% das vítimas mortas no ano passado, seguidas pelos atropelamentos de pedestres – 18,2%. Condutores ou passageiros de motocicletas foram 17,8% dos mortos; ciclistas, 4,1%.
Em pesquisa publicada por órgãos não governamentais, 24,3% dos motoristas admitiram dirigir logo após consumir bebida alcóolica6, e o uso de celular na direção seria a terceira maior causa de mortes de trânsito no Brasil, revelou uma pesquisa da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego – Abramet. Conforme reportagem do Jornal Hoje, ao todo, são 150 vítimas por dia e 54 mil por ano, de acordo com essa Associação. Tal combinação somente perde em números de fatalidades para o excesso de velocidade e a embriaguez ao volante7.
Mas outra instituição afirma que, em pesquisa realizada com motoristas, o uso do celular causou e foi considerado possível causa de acidente em apenas 13% dos motoristas, enquanto “separar briga de crianças a bordo” foi a primeira, com 26%.
Causas não referidas
Certamente uma das causas não referidas é a infraestrutura inadequada: ruas e estradas esburacadas e mal sinalizadas não são referidas. Enquanto a conduta humana é, sem dúvida, a primeira causa, inúmeras mortes são decorrentes desses problemas.
No domingo passado, a Folha de S. Paulo divulgou importante matéria sobre investimentos em sistema de transporte, esclarecendo uma vez mais para a opinião pública a necessidade de infraestrutura nacional.
Motivos econômicos
Não somente motivos humanos fundamentam a preocupação, e felizmente a busca do lucro coincide com aquelas razões. De acordo com a Líder Seguradora, foram pagos, em 2010, quase R$ 2,3 bilhões em indenizações por morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas e hospitalares em favor de mais de 252.000 vítimas de acidentes de trânsito ou beneficiários. No ano passado, já houve acréscimo: de janeiro a junho, cerca de R$ 1,1 bilhão foi destinado ao pagamento das indenizações, valor que supera em R$ 15 milhões o valor pago no mesmo período do ano anterior.
Conforme dados publicados por uma instituição não governamental, 55% dos leitos dos hospitais são ocupados por vítimas de acidentes de trânsito. Além de reduzir à metade, com o dinheiro economizado seria possível construir 28 mil escolas ou 1.800 hospitais8.
O cidadão, que sustenta a máquina administrativa ineficiente e sempre crescente, não tem, ao seu lado, agentes públicos que possam fazer um juízo isento. Assombra ainda a consciência o fato de que os problemas muitas vezes somente são percebidos quando motivos econômicos passam a motivar a preocupação.
O quanto pagamos pelas mortes prematuras e pela ineficiência dos serviços públicos? No final, a conta é repartida pelos pouco mais de 30% que compõem a população que, na prática, efetivamente é economicamente ativa9.
De lege ferenda
Juristas costumam referir-se a essa expressão em latim para, considerando a possibilidade de mudança da norma, apresentar o ideal de norma que pretendem. Particularmente, costumo referi-la aos meus alunos como uma réstia de esperança. Afinal, os operadores do Direito são devotados à ciência do dever-ser, e os que perfilam os idealistas do Direito Administrativo, ainda com mais razão, devem acreditar nas mudanças, pois “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”10.
As normas devem estabelecer a possibilidade de aqueles que fiscalizam o trânsito, em suas mais variadas vertentes e ângulos, notificarem também a Administração Pública, responsável quanto às irregularidades nas vias de trânsito e outros locais de perigo. Seria, portanto, responsabilidade direta de agentes de trânsito, integrantes de batalhões policiais militares rodoviários, da Polícia Rodoviária Federal, além de notificar particulares, contribuir para a sociedade, notificando autoridades públicas. É o exercício pleno do poder de polícia, nesse sentido aplicado como polícia administrativa. Indo além, poderiam essas notificações ser dirigidas às comissões de orçamento e aos tribunais de contas, essa última instituição que tem a prerrogativa constitucionalmente consagrada de fiscalizar a legitimidade da despesa pública.
1 BRASIL. Lei nº 13.614, de 11 de janeiro de 2018. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 jan. 2018. Seção 1, p. 01.
2 Trânsito no Brasil mata 47 mil por ano e deixa 400 mil com alguma sequela. Jornal Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/05/1888812-transito-no-brasil-mata-47-mil-por-ano-e-deixa-400-mil-com-alguma-sequela.shtml>. Acesso em: 12 jan. 2018
3 Ibidem.
4 Ibidem.
5 Brasil é o quinto país do mundo em mortes no trânsito, segundo OMS. Portal Metro. Disponível em: <https://www.metrojornal.com.br/foco/2017/05/01/brasil-e-o-quinto-pais-mundo-em-mortes-no-transito-segundo-oms.html>. Acesso em: 12 jan. 2018.
6 Álcool e trânsito: pesquisadora analisa o consumo de bebida entre motoristas. Portal Fiocruz. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/pt-br/content/pesquisadora-analisa-o-consumo-de-alcool-entre-motoristas>. Acesso em: 12 jan. 2018.
7 Celular é a terceira maior causa de mortes no trânsito no Brasil, aponta pesquisa. Portal O Povo Online. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2017/09/celular-e-a-terceira-maior-causa-de-mortes-no-transito-no-brasil-apon.html>. Acesso em: 12 jan. 2018.
8 Trânsito no Brasil mata 47 mil por ano e deixa 400 mil com alguma sequela. Jornal Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/05/1888812-transito-no-brasil-mata-47-mil-por-ano-e-deixa-400-mil-com-alguma-sequela.shtml>. Acesso em: 12 jan. 2018
9 Para esse fim foi considerada apenas a parcela de patrões e empregados que contribuem para a previdência social – 59,3 milhões divididos por 202 milhões. Os dados foram divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/populacao-brasileira-em-idade-ativa-atingiu-1566-mi-em-2013.
10 Conforme prevê o parágrafo único do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.