por J. U. Jacoby Fernandes
O Brasil rege-se pelo princípio da liberdade de manifestação. Esta manifestação, no entanto, deve ter um emissor conhecido, considerando a eventual necessidade de responsabilização deste cidadão em casos de cometimento de crimes. Este entendimento está inscrito no art. 5º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos e garantias fundamentais. O texto assim preceitua:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.1
Há situações, porém, que a comunicação de situações só chega ao conhecimento das autoridades por meio das denúncias anônimas. Por medo de retaliações ou por não sentirem-se à vontade em denunciar determinadas situações, alguns cidadãos apenas noticiam sobre situações contrárias à lei se esta informação for encaminhada de maneira anônima.
Algumas dessas situações levam realmente à solução de casos analisados pelos órgãos competentes. Em outras situações, tais denúncias possuem o único objetivo de prejudicar alguém, sem qualquer relação com a realidade. Para tais situações, a investigação deve ser realizada de maneira a não prejudicar a honra e a imagem do investigado enquanto não estiver caracterizada a conduta ilícita praticada por aquele investigado.
O abuso do direito de controlar a Administração pública, por meio de denúncias, chamada de “denuncismo”, é incompatível com o regime democrático, como afirmado pelo jurista Nelson Jobim³. Em atuação recente, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio de resolução, regulamentou os registros anônimos encaminhados ao parquet. O MPDFT, utilizando o Direito Comparado e a jurisprudência dos principais tribunais, entende que as denúncias anônimas são consideradas admissíveis, sob determinados condicionamentos, para a apuração preliminar, cautelosa e discreta, dos fatos imputados, sucedida, se o caso, de posterior deflagração formal de inquéritos policiais, inquéritos civis públicos, ações penais e processos disciplinares administrativos. Em relação à atuação dos promotores MPDFT assim estabelece:
Art. 1º O membro do MPDFT, quando provocado por qualquer manifestação anônima, deverá realizar exame prévio de sua admissibilidade bem como a idoneidade dos documentos que a acompanham, coerência da narrativa e presença de elementos informativos mínimos que evidenciem não se tratar de mera tentativa de macular a honra e a idoneidade da parte contrária ou do órgão denunciado.
Para evitar o denuncismo, a norma estabelece que manifestações anônimas que tenham conteúdo difamatório, injurioso e vexatório ou que sejam destituídos de elementos informativos mínimos a permitir apuração preliminar da conduta descrita como inapropriada ou ilegal deverão ser arquivados de plano.
Já para os casos em que estiverem presentes os elementos que comprovem a verossimilhança das alegações e a existência de potencial ilícito criminal ou administrativo, a manifestação anônima poderá dar ensejo à instauração de procedimento penal investigatório, administrativo ou disciplinar, conforme já entende a jurisprudência pátria.
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1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Organização dos textos e índice por J. U. JACOBY FERNANDES. 2. ed. atualizada até EC nº 99/2017. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
2 MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Resolução nº 248, de 19 de outubro de 2018. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 nov. 2018. Seção 1, p. 98.