STF discutirá competência de entes federados para edição de normas sobre licitação com repercussão geral

por J. U. Jacoby Fernandes

Ao se discutir a competência dos entes federados a editarem normas sobre licitação é importante ter presente a comparação entre o artigo 22, inc. XXVII, e o parágrafo único com o art. 24, § 2º, da própria Constituição Federal. Essa comparação é apenas para que se compreenda adequadamente o que é “norma geral”. Assim dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[…]

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[…]

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[…]

2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.1

Em primeiro plano, cabe asserir que a expressão “normas gerais”, utilizada no art. 22, tem significado próprio e bastante diferente do mesmo termo utilizado nos quatro parágrafos do art. 24 da Constituição Federal de 1988, que versa sobre a competência concorrente.

A falta dessa distinção tem ensejado equívocos de alguns intérpretes que sustentam a tese de que a competência da União para editar normas sobre licitação e contratação não exclui a competência dos estados, municípios e Distrito Federal, numa alusão indireta e, em alguns casos, direta ao conteúdo do § 2º do art. 24 da Constituição Federal.

Outros vêm insistindo que as “normas gerais” referidas no art. 22 deveriam ser poucas e bastante concisas, tal como dispõe o § 1º do art. 24. Incorrem esses hermeneutas no erro de interpretar a norma do art. 22 em conformidade com os parágrafos do art. 24, inadmissível no caso. É que o art. 22 tem regramento próprio e sensivelmente diverso dos dois artigos que o sucedem na Constituição.

O tema é importante e volta à pauta de discussão do STF com o reconhecimento da repercussão geral em processo que discute a competência para editar normas sobre a ordem de fases de processo licitatório. O recurso foi interposto pelo governador do Distrito Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT que assentou a inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 5.345/2014, que dispõe sobre as fases do procedimento de licitação realizado por órgão ou entidade do Distrito Federal.

O relator da matéria, ministro Luiz Fux, destacou a importância do tema para o Estado brasileiro:

A imposição constitucional de existência de um núcleo comum e uniforme de normas deve ser sopesada com a noção de laboratório da democracia. É desejável que os entes federativos gozem de certa liberdade para regular assuntos de forma distinta, não apenas porque cada um deles apresenta peculiaridades locais que justificam adaptações da legislação federal, mas também porque o uso de diferentes estratégias regulatórias permite comparações e aprimoramentos quanto à efetividade de cada uma delas.2

Fux afirmou que a controvérsia dos autos é eminentemente constitucional e apresenta relevância jurídica e econômica. A decisão do Plenário Virtual foi unânime pelo reconhecimento da existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Vamos acompanhar.

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1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Organização de textos e índice por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 2ª ed. atualizada até out. 2018. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

2 Competência para editar normas sobre a ordem de fases de processo licitatório é tema de repercussão geral. Portal STF. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=406032>. Acesso em: 19 mar. 2019.